sábado, 26 de novembro de 2016

Últimas Conversas.Testamento de Bento XVI. 2

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



A convite de João Paulo II, o cardeal Joseph Ratzinger aceitou em 1981 ser Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, com uma condição: continuar a publicar livros. "Porque sentia a obrigação interior de poder dizer algo à humanidade". Gostaria de ter dedicado a vida à "teologia científica". "Todos os escândalos chegam à Congregação". "Que na Igreja há porcaria é conhecido, mas o que o Prefeito da Congregação tem de digerir vai muito para lá". Fez questão em não misturar a sua teologia com os documentos da Congregação: não foi ele, por exemplo, que redigiu a Dominus Jesus, sobre a unicidade da Igreja católica. Confessa que "está feliz com as reformas do Concílio, quando são acolhidas com honestidade, na sua substância." Mas "cada vez mais pessoas perguntavam: a Igreja ainda tem uma doutrina comum? Ora, tenho a convicção de que também hoje devemos estar à altura para dizer o que é que a Igreja crê e ensina".
Confessa as suas debilidades: em 1991, teve uma hemorragia cerebral, seguindo-se imensas dificuldades, acabando por ficar cego do olho esquerdo. Vale-lhe a música, mas precisa de silêncio e de 7-8 horas de sono. Não é um "grande conversador" e é débil de voz, com uma saúde frágil.

Quando pensava, após a morte de João Paulo, poder "finalmente escrever em paz os seus livros", foi eleito Papa. "A sensação foi simplesmente esta: uma guilhotina". "Procurou, antes de mais, ser um Pastor". "Havia sobretudo o que queria fazer: colocar no centro o tema de Deus e a fé. O importante é preservar a fé hoje. Considero ser esta a nossa tarefa". Fala com gosto com agnósticos, ateus e pessoas de esquerda, o que "num certo sentido é natural; se são honestos e reflectem". "Gostou de ser Papa?" Está grato pelas "muitas belas experiências, mas foi também sempre evidentemente um fardo". A viagem "mais delicada" foi talvez a da Turquia. Na Alemanha, apelou a que a Igreja fosse menos mundana. Queixa-se aliás da "propaganda a denegri-lo", concretamente na Alemanha, onde "há pessoas que querem destruir-me". Aqui, perguntou eu: e ele não destruiu muitos?!

Procurou também resolver questões administrativas, como reformar o Banco do Vaticano. "Trabalhei em silêncio, tanto sobre aspectos organizativos como legislativos". Removeu cerca de 400 padres culpados de abusos sobre menores. Dissolveu um lobby gay no Vaticano. Mas admite que é mais professor do que um gestor, o que constitui "uma certa fraqueza". Aliás, que poder tem o Papa? Responde a quem pensa que "um Papa tem plenos poderes e pode dizer a palavra definitiva": "Não é assim. Impossível".

Não se vê a si mesmo como "um falhado". Houve momentos difíceis, mas "no cômputo geral foi também um período no qual muitas pessoas encontraram um novo caminho para a fé e foi também um grande movimento positivo". Resignou, porque já não tinha forças - outro poderia fazer mais e melhor - e aquele era o momento adequado: "é claro que também o Papa não é um super-homem". Não foi uma fuga à Cruz nem houve pressões, nunca se arrependeu: "Ninguém tentou fazer chantagem. Aliás não o teria permitido. Se o tivessem tentado, não teria saído, porque não se deve abandonar quando se está sob pressão. E também não é verdade que estava desiludido ou coisa semelhante. Pelo contrário, graças a Deus, estava num estado de alma pacífico de quem ultrapassou as dificuldades. O estado de alma em que se pode passar tranquilamente o leme a quem vem depois". E prometeu obediência absoluta ao sucessor: "o Papa é o Papa, não importa quem seja". Quanto a Francisco: "Quando ouvi o nome, primeiro fiquei inseguro. Mas, quando vi como falava, por um lado, com Deus e, por outro, com os homens, fiquei verdadeiramente contente. E feliz". A eleição de um cardeal latino-americano "significa que a Igreja está em movimento, é dinâmica, aberta, tendo diante de si perspectivas de novos desenvolvimentos. É completamente claro que a Europa já não é o centro da Igreja mundial: a universalidade da Igreja é autêntica, os vários continentes têm nela peso igual". É evidente que "a Igreja está a abandonar cada vez mais as velhas estruturas tradicionais da vida europeia e, portanto, muda de aspecto e nela vivem novas formas. É claro sobretudo que a descristianização da Europa progride, que o elemento cristão desaparece cada vez mais do tecido da sociedade. Portanto, a Igreja deve encontrar uma nova forma de presença. Estão em curso reviravoltas epocais". A teologia precisa de renovar-se, abandonando, por exemplo, antigas concepções espaciais: "Deus não está "num lugar qualquer", mas é a realidade. A realidade-fundamento de toda a realidade." Não faz sentido a pergunta: "onde está Deus?". "Porque "onde" já é uma delimitação, já não é o infinito, o criador, que é o Todo (das All), que abrange todo o tempo e ele próprio não é tempo, cria-o e é sempre presente." Por isso, "é pessoa": também em nós, "a pessoa é o que transcende o puro espaço e me abre o infinito". Não se pode fazer representações de Deus, embora, para nós, esteja "presente num homem, Jesus Cristo".

Teme a morte? Quem não teme? E pensamos nos "erros cometidos?" Mas, "evidentemente, a confiança de base está sempre presente". Peter Seewald: "Quando comparecer perante o Todo-Poderoso, que vai dizer-lhe?" "Pedir-lhe-ei que seja indulgente com a minha miséria". Seewald: "O crente confia que a "vida eterna" é uma vida plena". Resposta: "Absolutamente. A confiança em que, então, está verdadeiramente em casa".

E que deve constar na lápide tumular? "Diria: Nada! Só o nome". Seewald: "O seu lema episcopal é: "Colaboradores da Verdade". Seria algo adaptado". Bento XVI: "Sim. Uma vez que é o meu lema, pode ser colocado também".

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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