Reflexão de Georgino Rocha
Jesus quer despertar a consciência dos discípulos para o sentido do que vai acontecendo e que, de algum modo, indicia por onde Deus “anda”. E a Igreja coloca no início do Ano Litúrgico o desejo do seu Mestre e Senhor para exortar à vigilância atenta e confiante, ao discernimento pessoal e comunitário. Com este espírito, a celebração do 1º domingo do Advento “abre as portas” ao novo horizonte que tem como pólo maior as festas do Natal e como realização plena a Páscoa da ressurreição de Jesus, o morto que agora vive para sempre.
Mateus, o evangelista de serviço, vai fazendo desfilar figuras emblemáticas desta atitude, destacando João Baptista que prepara os caminhos do Senhor, e Maria, a noiva de José e mãe de Jesus. E deixa-nos o convite e a exortação: Vigiai e estai preparados. O Senhor virá.
Jesus, na sua arte pedagógica, recorre a factos da vida quotidiana: as rotinas do tempo de Noé que fazem adormecer a consciência e crescer a indiferença e a insensibilidade. Os “folgazões” nem sequer advertem nos preparativos da arca e dos que nela entram. Parece estarem totalmente “dopados”. Como agora em relação à ética humana em certos âmbitos da sociedade: prazer ao minuto, êxito fácil e prestigiado, dinheiro que é fruto da corrupção, caos do bem público em tantos países.
O arcebispo de Erbil (Iraque), D. Banhar Warda, esteve há dias entre nós na sessão da apresentação do Relatório sobre a Liberdade Religiosa no mundo, da responsabilidade da Fundação “Ajuda à Igreja que Sofre”. E deixou-nos o seu testemunho que é mensagem. Diz ele: ‘São 10 mil famílias que ainda esperam que a sua vida possa regressar ao normal e o vosso apoio é muito importante’. E continua a falar da sua diocese apresentando-a como uma comunidade que acolhe atualmente milhares de cristãos perseguidos, vindos de outras regiões do país que foram tomadas pelo Estado Islâmico. E como Erbil, tantas outras.
Mateus também salienta o descuido de quem anda absorvido nas tarefas do campo e da mó. O exagero de concentração faz com que não dê conta de que algo surpreendente vai acontecer e a sorte será diferente para quem está na mesma situação. A finalizar a sua exortação aduz o exemplo do dono da casa prevenido contra a possibilidade de ser assaltado.
A urgência da vigilância na vida diária humaniza as pessoas, desperta a responsabilidade, ajudá a tomar atitudes ponderadas, robustece a esperança confiante no futuro que desabrocha a partir das sementes lançadas no presente.
A propósito das sementes lançadas pelo ano Jubilar encerrado no passado domingo aconselha o bispo de Aveiro, António Moiteiro: “Interroguemo-nos sobre que consequências tem a mensagem da misericórdia divina para a vida do cristão, para a práxis pastoral da Igreja e para o contributo que os cristãos são chamados a dar para a transformação deste mundo, a fim de ser mais justo e mais misericordioso”. Oportuna interpelação.
Viver vigilante com Jesus é cultivar a melhor disposição em todas as circunstâncias, sendo honrado no que se diz e faz, sendo responsável na profissão e na convivência social, sendo compreensivo para com todos, sobretudo para com os mais frágeis e esquecidos. Estar de vigia com Jesus é assumir a missão que nos confia, não com medo do que possa acontecer, mas robustecidos pelas surpresas que o seu Espírito nos prepara, mesmo nas horas da maior amargura. Como na agonia do Jardim das Oliveiras.
Ser vigilante é cultivar a esperança e acreditar no Senhor que veio, que vem e que virá. Virá quando cessar o tempo e se entrar definitivamente na eternidade. Vem nos sinais da sua presença existencial no ser humano e nos vestígios naturais em toda a criação. Veio na criança de Belém, filho de Maria confiado à protecção de José.
Ser homem/mulher de esperança é mobilizar todas as energias e activar todos os sentidos para o ver na simplicidade dos humildes, o descobrir nos sinais existenciais, o aguardar e abraçar na vinda gloriosa. É cooperar com Ele e estar preparados e disponíveis para o que for necessário. É ter os olhos limpos e despertos para ler o mistério da vida; os ouvidos afinados e abertos para escutar o clamor das vítimas e o grito dos profetas; as mãos disponíveis e generosas para repartir os bens e distribuir gestos de proximidade; o coração ardente que escuta a palavra, contagia optimismo e se lança na acção solidária; os braços erguidos em atitude suplicante pois todo o dom perfeito vem de Deus; o sentimento alegre e acolhedor do Senhor que vem sem tardar a ensinar-nos a sermos humanos.