Reflexão de Georgino Rocha
Jesus encontra-se com leprosos numa aldeia situada entre a Samaria e a Galileia, no caminho para Jerusalém. Pode parecer um encontro fortuito, mas não é pois os protagonistas mutuamente se desejavam: Os leprosos, por necessidade; Jesus por imperativos da sua missão, de que faz parte integrante a atenção sanadora aos excluídos da sociedade e amaldiçoados da religião judaica. Lucas concentra a narração na atitude do samaritano leproso que é curado em contraste com os outros nove. Evita pormenores ou derivas que distraiam o discípulo leitor. E fá-lo com grande acerto descritivo.
A sociedade protegia a saúde pública com grandes medidas de segurança. As doenças contagiosas abundavam e a protecção era mínima. Havia apenas medicina caseira, unguentos e pouco mais, habilmente aproveitada por espertos curandeiros. Nada que se parecesse com a situação actual no mundo ocidentalizado, apesar das deficiências em muitos lados e para as pessoas economicamente desfavorecidas. As enfermidades da pele eram frequentes e, quase sempre, tidas como lepra, “forçando” a exclusão social e a criação de zonas “malditas” onde habitavam os declarados contagiados. As leis eram rigorosas e pormenorizadas. (Levítico 13, 45 e 46).
Jesus escuta o pedido feito por eles à distância. E manda que se apresentem aos sacerdotes como estava preceituado. Acontece que, pelo caminho, ficam curados. Os nove, em fiel observância, prosseguem rumo ao templo. O leproso samaritano, não. Advertindo no que sucedeu, regressa ao encontro de Jesus, apregoa em público os louvores de Deus e lança-se por terra com “gratidão e humildade”.
Lucas põe na boca de Jesus um sábio comentário em três perguntas que mais realçam a atitude do samaritano curado do que criticam os nove obedientes legais. E conclui: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”. É a leitura profunda do que havia acontecido e a promessa da novidade a emergir na relação confiante, na fé agradecida, na liberdade vivida, na comunhão alcançada. Uma vocação a cultivar. Como ecoariam estas palavras no coração dos ouvintes! É que os samaritanos eram mal vistos pelos judeus e mantinham tensões religiosas fortes que, por vezes, chegavam a conflitos violentos. O elogio de Jesus ao samaritano curado da sua lepra tem uma riqueza simbólica universal: Deus não faz acepção de pessoas, todos os povos estão chamados a constituir uma só família humana, a riqueza da humanidade vem da integração das diferenças, a fé constitui uma mais-valia para o crescimento integral da pessoa, a ousadia “desobediente” é libertadora sempre que iluminada pela verdade.
O Papa Francisco no ano passado ao dirigir-se aos Jovens em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, afirmava a grandeza da vocação a que estamos chamados: «Vós sois a primeira geração pós-guerra… Quereis caminhar juntos, como disse Nadežda. E isto é grande! Não somos "eles e eu", somos "nós". Queremos ser um "nós", para não destruir a pátria, para não destruir o país. Tu és muçulmano, tu és judeu, tu és ortodoxo, tu és católico... mas somos "nós". Isto é fazer a paz. Uma vocação grande: nunca construir muros, só pontes».
Um “nós” dedicado a pacificar o espírito, a higienizar a mente, a sanar o corpo de todas as lepras, sobretudo as invisíveis (egoísmo, presunção, orgulho, caprichos, comodidade, vícios, mau feitio… alergia ao diferente, racismo, exclusão social e religiosa). Um “nós” que dá as mãos em prol de uma sociedade humanizada, de um clima social habitável, de uma economia sustentável, de uma terra que é casa comum, harmoniosa e bela.
Em sintonia com a reflexão deste domingo, vem a primeira declaração pública de António Guterres enquanto candidato recomendado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas para secretário-geral da Organização. “Gratidão e humildade” são duas palavras para "descrever aquilo que sinto”, disse. E depois aponta algumas áreas a necessitarem de especial atenção pois constituem autênticas chagas de uma humanidade ferida, a sangrar.
O samaritano revigorado com a cura e aberto a um novo horizonte de vida pode exclamar: Obrigado, Jesus. És o meu Salvador. Que bom, se fizéssemos nossa esta fé agradecida!