sábado, 15 de outubro de 2016

O vinho na Bíblia

Crónica de Anselmo Borges 



Em tempo de vindimas e vinho novo, 
fica aí uma alusão ao vinho na Bíblia.


1. O vinho é tão importante, com funções tão significativas no convívio social e na vida toda, que os antigos até pensavam que ele era uma criação dos deuses. Dioniso - Baco para os romanos - era o deus do vinho, que ensinou aos homens a arte do cultivo da videira e da preparação do vinho. Ele é de tal modo exaltante que, na leitura dos clássicos, da grande literatura, como belos poemas, grandes tragédias, romances geniais, dizemos que ficamos "inebriados". Diante do esplendor da beleza - o maior exemplo, para mim, é sempre a música, a grande música -, há quem exclame: "Uma bebedeira de beleza!" Num dos mais extraordinários diálogos filosóficos de sempre sobre o amor - o Banquete (Simpósio), de Platão -, lá está o vinho. Na Bíblia, as referências ao vinho são muitas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento.

2. No Antigo Testamento, encontramos, logo no primeiro livro, o Génesis, dois textos. O primeiro, com Noé cultivando uma vinha, "a mais preciosa e nobre de todas as plantas da Bíblia" (Ariel Álvarez). Noé adormeceu com uma bebedeira e o filho Cam entrou na sua tenda e viu a sua nudez e foi amaldiçoado. E há outro pai, Lot, que as filhas embebedaram para poderem ter relações com ele e descendência. (Note-se que se trata tão-só de narrações com finalidade política: diminuir os cananeus, os moabitas, os amonitas, com os quais Israel tinha relações tensas. Para rebaixá-los, estas narrativas põem estes povos a descender de relações incestuosas, e não se esqueça que o incesto é, para a Bíblia, um dos pecados mais aberrantes.)
Veja-se este texto de exaltação do vinho, no livro de Ben Sira: "O vinho é como a vida para os homens, se o beberes moderadamente. Que vida é a do homem a quem falta o vinho? Ele foi criado para alegria dos homens [aqui, digo eu: e das mulheres]. Alegria do coração e júbilo da alma é o vinho, bebido a seu tempo e moderadamente."

3. O vinho está bem presente no Novo Testamento. Assim, na Primeira Carta a Timóteo, é recomendado ao discípulo de São Paulo que beba vinho: "Doravante não bebas só água, mas toma um pouco de vinho."
No Evangelho, acusam Jesus de "comilão e beberrão". Escandalizavam-se, mas Jesus não exclui ninguém, o Reino de Deus e a sua alegria são também para os pecadores. Essa foi a sua mensagem por palavras e obras. Participou em banquetes com publicanos e outros, que eram ricos, mas não levavam uma vida justa. Alguns seguiram-no, como Mateus, e Zaqueu converteu-se, deixando de explorar o povo.
Lê-se no Evangelho segundo São João, que logo no início da sua vida pública Jesus transformou a água em vinho. Ele encontrava-se com os discípulos numas bodas de casamento, em Caná da Galileia. Faltando o vinho, Maria, sua mãe, deu-lhe a triste notícia. E o que é facto é que o vinho apareceu. E em abundância: 600 litros. E vinho esplêndido, a ponto de o chefe de mesa chamar o noivo para lhe dizer: "Toda a gente serve primeiro o vinho bom e, quando tiverem bebido bem, serve então o inferior. Tu, porém, guardaste o vinho bom até agora!" Assim, diz o evangelista, inaugurou Jesus os seus sinais. Que sinais? É isso: o Reino de Deus é para todos e é o Reino da humanidade boa, justa e feliz. Como podia faltar a alegria do vinho numa festa de casamento, símbolo do encontro de Deus com a humanidade? É o vinho novo e, por isso, diz Jesus: "Ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho e os odres. Deita-se vinho novo em odres novos."
Outro passo, inesquecível, é o da Última Ceia. Sim, o Reino de Deus é para todos, mas nem todos estão interessados em que seja para todos. Por isso, Jesus pôs o dedo na ferida, escalpelizou a indiferença e a opressão, nomeadamente por parte de quem explorava em nome da religião oficial, e, assim, foi condenado à morte pelos sacerdotes e mandado executar pelo representante do Império, Pôncio Pilatos. Nas vésperas da sua entrega, ofereceu uma ceia, a Última Ceia. Nela, tomou o pão: "Tomai e comei todos. Isto é a minha vida entregue por vós." Também o cálice com vinho: "Este é o sangue da Nova Aliança." "Fazei isto em memória de mim." Desde então, os discípulos, que acreditaram que Jesus está vivo em Deus, pois não morreu para o nada, mas para a plenitude da vida de Deus, que é Amor, reuniram-se em banquetes festivos e fraternos. E fizeram memória de Jesus. E o pão é o pão da vida, que dá força para os caminhos da existência com Deus e em solidariedade activa com a humanidade. E o vinho é o vinho da alegria partilhada com todos.
Jesus disse que não voltaria a beber do fruto da videira, "até àquele dia em que o hei-de beber de novo convosco no Reino de Meu Pai". E é esta esperança, a esperança do vinho novo na plenitude da festa e da alegria do Reino de Deus que, de uma maneira ou outra, anima a todos. Infelizmente, embora isso talvez fosse uma inevitabilidade, as Eucaristias de hoje estão muito longe, no modo como são celebradas, de ser antecipações vivas dessa alegria festiva na sua plenitude. No princípio, era diferente.

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue