Reflexão de Georgino Rocha
Jesus termina com esta afirmação exortativa a parábola do homem rico que conseguiu uma boa colheita e possuir grande riqueza. Narra esta parábola para fazer uma “catequese” sobre o valor dos bens materiais e a atitude a cultivar na relação com eles. Quer deixar claro que o projecto de Deus se manifesta no sentido da vida dos discípulos missionários e nas prioridades que eles assumem. O mais importante deve marcar as pautas de comportamento. A liberdade em segurança vive-se com regras. O possível comporta energias a desabrochar. Em cada opção corrente está contida o gérmen da opção final.
Jesus é surpreendido pelo pedido de um anónimo que ergue a voz do meio da multidão: ”Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo”. Lucas, o narrador do episódio, nada diz sobre os motivos de tal pedido: Injustiça na retenção da herança, ganância do irmão, cobiça do queixoso? Outras razões? Nada. É pedido que pode nascer no coração humano que sente o pulsar da vida. O apelido de “mestre” pôe em evidência o reconhecimento do nível (status) de Jesus. O uso da palavra “amigo” indica a atenção e a proximidade da relação. A parábola dá a resposta em género de “conto” de uma situação existencial bem conhecida pelos ouvintes. E deixa-os a pensar, a ponderar. A narração visualiza com grande realismo o alcance das opções correntes e o “balanço” final de toda a existência.
O homem afortunado, perante a abundância da produção da sementeira feita no campo, toma as suas medidas cautelares para não perder nada do que conseguiu. Constrói celeiros maiores e melhores em lugar dos antigos, pondera sozinho (nem mulher, nem filhos) o que vai fazer porque o sustento da vida estava garantido. Lucas, hábil escritor, recorre a verbos muito expressivos para dar visibilidade à opção tomada: “Minha alma, tens muitos bens em depósito para longos anos. Descansa, come, bebe, regala-te”. Verificação acertada. Satisfeito e feliz. A gozar, por muito tempo.
Em comentário a esta parábola, afirma J. Castillo: “A mentalidade que concentra o nosso interesse só na ganância é a causa das crises, dos desequilíbrios sociais, da pavorosa desigualdade de bens e direitos que destroça tanta gente. E até destroça a própria natureza e o mundo inteiro. Pode haver maior loucura? Jesus põe o dedo na chaga”.
Como soaria aos ouvidos dos presentes a avaliação do narrador da parábola: “Insensato! Esta noite terás de entregar a tua alma”. Jesus faz uma leitura mais profunda do comportamento do homem enriquecido. Tinha bens, mas não dispunha da vida. Tinha bens guardados só para si, mas os outros ficavam esquecidos e sem nada. Talvez os trabalhadores do seu campo ou sem emprego e oprimidos pelos impostos, os vizinhos e familiares sem herança (como quem faz o pedido a Jesus para que intervenha), os injustiçados e tantos outros. Propunha-se ser feliz sozinho, com egoísmo definhador, indiferente a tudo e a todos, menos à boa vida que se propõe desfrutar. Insensato, isto é sem sentido digno do ser humano, desvairado, sem razão: pela tacanhez de perspectivas, pela fragilidade da segurança e falsidade da consistência, pela auto-afirmação que desfaz todos os laços de relação e confiança nos outros, pela segurança servil posta na posse de bens caducos. E queria assim levar uma vida cheia. E os valores da família, da convivência social, da cooperação solidária, da alegria e beleza, da intervenção pública, da cultura e da ética, das obras de misericórdia e do amor de doação testemunhado por Jesus de Nazaré?
Insensato! O teu futuro está pendente do que fazes agora. O teu presente constitui a tua única oportunidade de te humanizares e, assim, seres rico aos olhos de Deus. O teu passado é a sementeira que, hoje, colhes e podes cultivar. O tempo segue sem interrupções o seu “caminho” e observa o seu ritmo. E não volta atrás. Oferece-nos o único espaço possível para exercermos responsavelmente a tão apreciada liberdade. Com os outros!
Com o salmista, vem a propósito fazer nossa a sua oração: “Ensinai-nos a contar os nossos dias para chegarmos à sabedoria do coração… Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos”. (do salmo 89).