Reflexão de Georgino Rocha
Jesus envia 72 discípulos |
Jesus está desejoso de partilhar a sua missão de anunciador da novidade do projecto de Deus. Apesar dos revezes que vai sentindo – a fúria dos que ouvem a sua primeira homilia em Nazaré seguida de expulsão da cidade, os apóstolos não conseguem realizar certas curas, os habitantes de uma aldeia da Samaria manifestam ostensiva hostilidade…–, prossegue a sua firme decisão de avançar para Jerusalém e reforçar o ânimo dos discípulos missionários. Designa setenta e dois e dá-lhes instruções precisas. Este número de enviados, além de histórico, tem um sentido simbólico: indica a totalidade dos povos então conhecidos e visa transmitir a universalidade da missão em que todos ficam envolvidos. Dá assim mais um passo na realização do seu “sonho em acção” que Lucas descreve maravilhosamente no Evangelho e nos Actos dos Apóstolos. A Igreja nesta visão surge como a continuadora emblemática da missão de Jesus. E nós como os beneficiários e herdeiros responsáveis de a gerir fielmente.
Os discípulos partem para o local onde as pessoas se encontram. Impressiona não ver qualquer referência à sinagoga ou outros espaços “sagrados”. Sabem que são precursores destacados. Vão dois a dois. Entram em aldeias e cidades. Mantém o espírito de comunhão entre si e com Deus Pai. Reconhecem a grandeza da missão recebida expressa literariamente na metáfora da grande seara que, para ser cuidada, necessita de mais trabalhadores.
Hoje, a grande seara são as pessoas e os ambientes em que vivem e trabalham, desfrutam do lazer e da convivência, organizam os grupos de vizinhança familiar e de relação de ajuda e criam plataformas de solidariedade e promoção. A grande seara é o vasto mundo da informação e da opinião pública, tantas vezes apenas publicada “ao minuto”, das tecnologias e redes virtuais, da comunicação mediatizada que interage e aproxima pessoas distantes, mas isola e afasta as que compartilham o lar e a mesa. A grande seara toma o rosto ( e as suas variadas cores) da educação e da saúde, da cultura, da política, da economia, da gestão dos recursos não renováveis da criação, da relação saudável com o meio ambiente. A grande seara surge na pluralidade de crenças religiosas, onde a miscigenação de elementos acentua a complexidade, na diversidade de ritos e símbolos que as expressam e configuram, nas diferentes igrejas e seus credos, na Igreja católica e suas comunidades locais.
Jesus envia setenta e dois. Agora o Seu Espírito suscita continuamente homens e mulheres de todas as culturas e povos que vivem em missão no seu dia-a-dia, na família, na profissão, na intervenção solidária e libertadora, na evangelização directa anunciando a presença discreta de Deus nas realizações humanas e nos acontecimentos da história, e apresentando os dados da sua identificação revelados por Jesus de Nazaré, o ressuscitado após morte cruel. Gente ilustrada e sem letras, discreta no proceder e eficaz no agir, consciente de que a humanização da vida constitui a tarefa principal da sua missão, o serviço mais nobre da sua profissão, a causa maior da sua vocação. À maneira de Jesus Cristo, o missionário itinerante de aldeias e cidades, o apaixonado pelas pessoas e sua felicidade integral.
A conduta dos discípulos missionários é exemplar e “as coisas” correm bem. Observam as instruções recebidas: livres de todas as amarras constrangedoras, confiantes, prudentemente ousados, sem desvios nem entretens inoportunos, anunciadores da paz nas famílias que visitam e os acolhem, partilhando da mesa e, naturalmente, da conversa (meio óptimo para a transmissão da mensagem), anunciando a novidade de que são portadores e se manifesta também na atenção e cura dos enfermos. Da casa, passam à praça pública. Onde as pessoas se encontram, aí tem de chegar o mensageiro da Boa Nova!
A experiência missionária faz vibrar de alegria e entusiasmo os discípulos. A partilha com Jesus e os outros, após o regresso, é esfuziante. Contam os feitos ocorridos que consideram mais marcantes. Exultam! Rejubilam! Dir-se-ia que “não cabem em si” de contentes, apesar de tudo o que tiverem de sofrer e assumir.
Que sentimentos profundos “excitam” também o coração de Jesus ao ouvir a narração do sucedido. Também Ele comunga o entusiasmo e a emoção, a paixão pela missão, a felicidade dos amigos regressados. E como Mestre exímio aproveita a oportunidade para fazer uma leitura em profundidade dos feitos narrados e abrir novos horizontes ao trabalho missionário. Redimensiona o entusiasmo, desfazendo ilusões. Assume a alegria, mas desvenda o seu verdadeiro fundamento. Congratula-se com o êxito terreno que situa como semente a desabrochar na seara nova de Deus. Dá-lhes a garantia de que a fidelidade à missão faz inscrever o nome pessoal no livro da Vida nos Céus.
Acolhe esta leitura. Vive esta certeza. Vamos, confiantes, em missão de paz.