domingo, 12 de junho de 2016

As freiras e o Papa

Crónica de Frei Bento Domingues 

Papa e Freiras
1. Diz-se que entre as coisas que o Espírito Santo ignora é o nome e o número das congregações religiosas femininas. Não é segredo para ninguém que muitas estão em crise, o que pode baralhar ainda mais as contas. Ao contrário do que muita gente pensa, não são uma espécie em extinção. É verdade que nenhuma tem promessa de eternidade, mas ao longo da história da Igreja, quando algumas desaparecem surgem outras. Deslocam-se, de país para país, de continente para continente muito mais depressa do que as comunidades masculinas. Estão, por vezes, com muitas dificuldades num país ou num continente e cheias de vigor noutros. Entre as de vocação contemplativa, há semelhanças e diferenças, mas entre as de vida activa, variam mais os estilos e a história do que os carismas propriamente ditos.
Perguntar se o futuro da Igreja é também feminino é ridículo. O livro [1], recentemente publicado, com esta interrogação é muito estimulante para pensar o papel das mulheres na Igreja, que se encontram sempre nas periferias mais arriscadas e nas intervenções mais inovadoras.
A interrogação não me espanta. Segundo as narrativas do Novo Testamento - alterando os esquemas da situação da mulher no judaísmo – foram elas que ressuscitaram a fé e a esperança do movimento cristão, nos ânimos dos discípulos, abalados com a crucifixão das suas espectativas de poder.
Os homens nunca lhes perdoaram esse atrevimento e depressa arranjaram doutrinas para as secundarizar a nível da direcção das comunidades e da presidência da celebração dos sacramentos, especialmente da Eucaristia.
Esqueceu-se que mulheres e homens, na Igreja, são todos sacerdotes pela mesma razão sacramental: não existe um baptismo próprio para homens e outro próprio para mulheres! A sacramentalidade da identidade cristã exprime-se no baptismo e alimenta-se na celebração da Eucaristia, cuja simbólica é uma refeição familiar, de muitas famílias. Jesus, aliás, exprimiu o seu projecto fazendo família com quem não era da sua família.

Isto não significa que Deus teve de esperar pela criação dos sacramentos cristãos para agir no coração de todas as pessoas, povos, culturas e religiões, com ou sem sistema expresso de crenças. Os sacramentos evocam a presença actuante de Deus. Precisam de Deus, mas Deus não depende das nossas celebrações para nos amar e nos fazer bem.
Criaram-se, na história da Igreja, muitos equívocos acerca da própria palavra sacerdote. No Novo Testamento, é reservada a Cristo e ao conjunto dos baptizados. Com o tempo, passou a chamar-se sacerdote a quem desempenhava um ministério ordenado na Igreja e foi eclipsado o sacerdócio de todos os fiéis, homens e mulheres. Santo Agostinho ainda distinguia: Convosco sou cristão, para vós sou Bispo. Bispo era, e continua a ser, uma função destinada ao serviço do povo sacerdotal.

2. Uma freira, a Irmã Rita Giaretta, da Congregação das Irmãs Ursulinas do Sagrado Coração de Maria, dirigiu ao Papa, uma carta aberta mostrando que a Igreja deve respirar com dois pulmões: feminino e masculino.
Caro Papa Francisco, entre tantas “revoluções” que foste chamado a levar por diante, penso que este é um dos desafios mais importantes e necessários: libertar a face da igreja da sua escravidão masculina, isto é, daquela imagem que sabe a autoritarismo, privilégio, poder sagrado, domínio e restituir-lhe o rosto bonito, luminoso e transparente de Deus, Mãe e Pai [2].
Esta carta exprime algo que surgiu também no diálogo do Papa com as participantes no Plenário da União Internacional das Superioras Gerais, em Maio de 2016.[3] Foi, de facto, um diálogo longo. As freiras disseram o que tinham a dizer e o Papa também lhes respondeu com toda a franqueza. Manifestou as suas convicções, as suas hesitações e, sobretudo, que há muita coisa que é necessário rever. Não apareceu dotado de infabilidade e com receitas para o futuro. Quer abrir caminhos com elas. Não pretende ser a superiora geral das freiras.
Acautelou para dois perigos: a intervenção activa da mulher na vida da Igreja não resulta de uma moda feminista. Seria reduzir o seu direito de baptizada com os carismas e os dons que o Espírito lhe concedeu. O outro é uma tentação muito forte, o clericalismo. O padre a mandar sozinho em tudo. Ou seja, deseja clericalizar o leigo, a leiga, o religioso, a religiosa e, pior ainda, quando todos estes pedem, por favor, para serem clericalizados, porque é mais cómodo. Bergoglio, porém, insistiu com as freiras: estai sempre prontas para servir; não aceiteis a servidão!

3. O acesso de mulheres ao diaconado é visto como uma esperança e um receio. Uma esperança, porque não há dois sacramentos da Ordem. Será, portanto, um ministério ordenado. Um receio porque não se vê, depois, qual o obstáculo a que não sejam também ordenadas ao presbiterado e ao episcopado. No diálogo do Papa com as superioras gerais, sente-se um incómodo deixado pela recusa, como definitiva, de João Paulo II. Mas não houve proclamação de um dogma de fé. Um obstáculo teológico é também um convite às teólogas e aos teólogos para não deixarem eternizar uma decisão muito circunstanciada.
Bom trabalho.

[1] Lucetta Scaraffia (coor), O futuro é também feminino?, Paulinas, 2016
[2] Cf. Frei Severino, Mulheres diaconisas, Mensageiro de Sto António, Junho, Nº 6, 2016
[3] Diálogo do Papa com as superioras gerais, As mulheres na vida da Igreja, L’ Osservatore Romano, 19 de Maio 2016, pp 7-11

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