Reflexão de Georgino Rocha
Jesus aceita o convite para tomar uma refeição. Ao contrário de João Batista, aprecia a mesa, o convívio e a festa. Gosta de estar com as pessoas, de as ouvir, de ter presente as suas situações de vida, alegrias e tristezas. Por vezes, provoca “cenas” inesperadas de que, como bom mestre, tira partido para desvendar a outra face da vida e manifestar a novidade da mensagem que anuncia e fica patente em atitudes contrastantes e olhares expressivos, conservados em relatos belos e narrativas apelativas.
Um fariseu, de nome Simão, é protagonista de um episódio muito significativo. Convida Jesus para uma refeição em casa e ela aceita. E deixando perceber o desejo profundo de o ouvir, logo lhe indica o lugar à mesa, distinguindo-o entre os convidados. Não se recorda de mais nada, nem sequer dos rituais de hospitalidade. Aguarda com natural expectativa o início da conversa. Tem o seu coração centrado nessa única preocupação, tal era a convicção que foi “construindo” com o que se dizia a respeito do mestre da Galileia. Dispunha de uma oportunidade única e queria aproveitá-la ao máximo.
Acontece, porém, o inesperado. Aquele ambiente tão selecto, vê-se perturbado com uma presença estranha e, absolutamente, despropositada: Uma prostituta, bem conhecida na cidade, entra pela sala dentro, dirige-se a Jesus, prosta-se a seus pés, banha-os com lágrimas abundantes, enxuga-os com os cabelos, derrama-lhes perfume de qualidade e, entre soluços, continua a acaricia-los com desvelo.
Lucas, o narrador do episódio, deixa em suspenso a refeição e centra-se nas reacções dos principais intervenientes. E faz uma belíssima catequese sobre o amor que perdoa, o olhar que guia o coração, a pureza de intenções, a transparência da consciência que julga. Apresenta-a em género de diálogo de contrastes, com perguntas e respostas progressivas, com o recurso a uma parábola colhida da vida corrente. Por isso, facilmente entendida: O credor e os devedores, o valor desigual dos empréstimos, a surpresa do perdão, e a pergunta crucial feita em nome pessoal: “Simão, qual deles ficará mais seu amigo?” E este responde acertadamente: “Aquele a quem mais perdoou”. “Julgaste bem”, sentencia Jesus que, em seguida, desenvolve a relação entre o perdão e o amor, o desnorte e o rumo certo, a aparência e a realidade, a emoção e a convicção. Os convivas estariam, certamente, admirados com o que viam e ouviam, com a correcção do olhar para ver a realidade profunda, com o apelo à coerência ética e não apenas ritual ou aparente. Como permanece actual este apelo sentido pelas testemunhas do episódio narrado!
Simão mantém a lucidez das ideias e o desejo de satisfazer a curiosidade, mas precisa de novos horizontes para libertar a consciência de tantas amarras que o rigor legalista impunha. Horizontes que considerem sempre o valor da pessoa, como primordial, mesmo quando se desvia do que a dignidade humana reconhece como normal. Horizontes que apontem o perdão como modo normal de sanar feridas e reviver o amor, sobretudo nas horas mais difíceis. Horizontes que brotam do mergulho em nós mesmos e da reconciliação com o nosso passado.
Hoje, sabemos que para se poder perdoar, recorda o Papa Francisco em “A Alegria do Evangelho, precisamos de passar pela experiência libertadora de nos compreendermos e perdoarmos a nós mesmos… Faz falta rezar com a própria história, aceitar-se a si mesmo, saber conviver com as próprias limitações e inclusive perdoar-se, para poder ter esta mesma atitude com os outros”. LA 107. E continua: “Mas isto pressupõe a experiência de ser perdoados por Deus, justificados gratuitamente e não pelos nossos méritos. Fomos envolvidos por um amor prévio a qualquer obra nossa, que sempre dá uma nova oportunidade, promove e incentiva”. LA \108.
A refeição oferecida por Simão e o episódio da pecadora arrependida criam espaço a Jesus para realizar o núcleo da convivência social aberta, integradora, libertadora. Este núcleo é o perdão que tem a medida do amor misericordioso. Experimenta e comunica!