Reflexão de Georgino Rocha
eis a sabedoria que vence
toda a tentação desviante»
Seria tudo tão fácil. Pão com abundância, êxito garantido, missão cumprida. O episódio das tentações de Jesus, habilmente apresentado em diálogo por Lucãs, traz-nos uma mensagem sublime: a de ser livre nas opções de vida, a de ser fiel nas decisões tomadas, a de ser lúcido e consistente nas razões de suporte a tais atitudes.
— “Não és tu o filho de Deus”? aduz o tentador. — “Sim sou” responde Jesus. “E não estás cheio de fome?”. Há tanto tempo que não comes. — “Sim estou”. Então mostra quem és, aproveita a tua condição de filho, liberta-te do sofrimento, transforma essas pedras em pão abundante. Come!
O projecto de Jesus tem outra dinâmica. Ser filho de Deus é viver a normalidade da existência, respeitar a natureza das coisas, sentir-se solidário com todos, sobretudo com os famintos, assumir a dureza das limitações como desafio a superar e a buscar novas realidades contidas na palavra de Deus.
Ao comentar o Evangelho das tentações afirma São Tomás de Aquino: “Não agiu o Senhor na tentação usando do seu poder divino - de que nos teria aproveitado então o seu exemplo? - mas que, como homem, serviu-se dos auxílios que tem em comum connosco”.
E pela 2.ª vez: — “Não és o filho de Deus?” — “Sim, sou”. “Não pretendes alcançar o mundo inteiro e fazer ouvir a tua voz para anunciar o reino prometido? — “Sim, pretendo”. “Há um caminho mais fácil para o conseguires. O que escolheste é demasiado árduo. Se prostrado me adorares, tudo será teu: riqueza, poder,.. Porque tudo é meu, dou-o a quem quiser!”
Jesus dá um não rotundo a esta sedução. Não discute a mentira descarada. Só Deus é Senhor, embora o tentador tenha os seus - muitos – adoradores. A voz do anúncio jubiloso chega na simplicidade de Nazaré, no silêncio do deserto das vaidades, na proximidade das pessoas, na presença amiga em acontecimentos familiares marcantes, na aceitação amorosa da cruz da vida e das suas circunstâncias, na narração de parábolas ricas de ensinamentos, na doação confiante ao bem de todos, na esperança de alcançar a promessa feita não pelo tentador, mas por si mesmo: “Hei-de atrair tudo a mim”.
E pela 3ª vez soa a pergunta: — ”Não és o filho de Deus?” — “Sim, sou”. — “Não está a ser difícil a tua missão?” — “Sim, está”. — “Vá! Facilita a sua realização. Faz uma acção espectacular, atirando-te das alturas perante a multidão que se convencerá. Não temas correr qualquer perigo pois tens anjos ao dispor que te darão o amparo necessário. Aproveita o que é possível.”
Proposta sedutora. Acção sem riscos Espectáculo com êxito garantido. Jesus, porém, faz nova réplica. Por aqui não vai o seu projecto de vida. Não pretende admiradores de “circo”, mas pessoas livres que saibam o que fazem. Não comunica um deus “pronto socorro”, mas um Deus respeitador da criação e das criaturas, um Deus Pai misericordioso em quem se pode/deve confiar.
A proposta de Jesus é dirigida ao coração inteligente a fim de despertar as suas aspirações de verdade, beleza e bondade; de justiça e solidariedade; de amor terno e compassivo; de respeito e cuidado de toda a criação e de de todas as criaturas. A proposta de Jesus converge sempre na sabedoria do coração livre para servir e não para ser servido. Progressivamente até à plenitude celebrada na Páscoa da sua ressurreição. Gerir a liberdade com ética, eis a sabedoria que vence toda a tentação desviante.