Reflexão de Georgino Rocha
Georgino Rocha |
Quem vive o amor de doação
realiza-se plenamente
Pedro condensa a experiência que faz com João e Tiago no monte Tabor declarando: “Mestre, que bom estarmos aqui!” Que bom estar contigo, ver o brilho da tua realidade profunda, a tua divindade, dar conta de quem te acompanha, Moisés e Elias, sentir-se envolvido pela nuvem da manifestação, ouvir a Voz celeste que proclama quem tu és: “ Este é o meu Filho, o meu Eleito. Escutai-O”. Que alegria transparece do estado de espírito de Pedro. Que satisfação experiencia, apesar da sonolência que o havia assaltado e do medo que o trespassava. Que mensagem transmite a toda a humanidade, sobretudo aos cristãos que desejam ser fiéis discípulos e corajosos missionários. Mensagem que vale a pena aprofundar e saborear.
“Não vos enganeis”. O homem com quem conviveis e vos acaba de anunciar o futuro próximo é uma pessoa normal, procede de forma humana, ama incondicionalmente porque deseja mudar as relações entre as pessoas e humanizar as leis e tradições, provocar a mudança do mundo para que se torne habitável por todos, e cada um se sinta feliz e realizado.
“Não vos enganeis”. O futuro próximo é a caminhada para Jerusalém, a cidade da paz e do templo, da ordem estabelecida e do culto oficial, da peregrinação dos judeus fieis e da permanência da autoridade sagrada. Jesus avança com a boa nova que, desde o início da sua missão em público, anuncia em toda a parte: Deus Pai, rico em misericórdia, ama sem condições, não está “atado” a tradições nem a leis, quer a felicidade para todos, não descrimina nem classifica ninguém, pois aprecia a dignidade de cada um ser seu filho querido.
Esta mensagem desestabiliza a solidez da sociedade judaica, desinstala o poder sagrado, perturba os acomodados, provoca as iras dos “exploradores” que tramam intrigas e organizam o processo de condenação que vem culimnar na sua eliminação física. O testemunho de Jesus é claro: quem vive o amor de doação realiza-se plenamente; quem prefere a satisfação acomodada goza uns momentos, sente a “fome” de novas compensações, arrisca-se a permanecer para sempre nessa necessidade sofrida.
Estar com Jesus cria familiaridade com o seu projecto de vida, acolhe o amor misericordioso do Pai e vive da sua energia fontal, reconhece a fraternidade humana universal porque todos somos seus filhos queridos, aceita a relação humanizada com os bens da terra confiada ao cuidado solícito de cada ser humano.
Estar com Jesus é cultivar e organizar o uso do tempo, reservar espaços para a oração, ouvir a voz da consciência, meditar na sabedoria da vida, fazer a leitura frequente da Escritura para se encontrar com a Palavra de Deus, tomar parte na assembleia eucarística dominical, sentir-se sempre em missão como mensageiro da paz e da misericórdia.
A experiência do Tabor fortalece os acompanhantes de Jesus que descem à planície e partilham a vida normal corrente. Encontram-se com pessoas cheias de si mesmas e deixam transparecer a alegria da abertura aos outros e às suas necessidades; com as autoridades políticas e religiosas e testemunham que todo o poder é serviço ao bem dos demais; com os fiéis devotos e ritualistas e mostram a sua adesão incondicional a Jesus Cristo, o centro da sua vida multifacetada; com os ricos de bens materiais, culturais e religiosos e apregoam a mensagem do ter para ser mais pessoa e desenvolver as suas capacidades integrais e para partilhar conforme a necessidade dos outros; com os empobrecidos de tudo, designadamente da sua dignidade espoliada, e solidarizam-se com eles, acompanhando-os na luta corajosa para reaverem o que lhes é negado ou foi roubado.
Estar, andar, familiarizar-se com Jesus é dar outra figura ao viver de cada dia, contribuir para desfigurar a confusão mental predominante, reconfigurar os comportamentos humanos a partir da ética fundamental comum, tendo sempre como horizonte o bem maior: a realização feliz da pessoa segundo o projecto de Deus exemplarmente vivido por Jesus Cristo.
A transfiguração está em curso, passa pelas nossas atitudes. Um dia alcançará a plenitude. Como a semente na árvore. Como em Jesus na ressurreição. Vale a pena advertir e experimentar!