Reflexão de Georgino Rocha
«A abundância foi caminho
para o encontro com o Senhor.
Que bela lição!»
Pedro acaba de chegar da faina da pesca. Amarra a embarcação, limpa e enrola as redes, olha mais um vez o mar tranquilo e, apreensivo e amargado, senta-se na proa, dando largas ao “ruminar” da experiência frustrante que está a viver. Com ele, certamente os companheiros da noite aziaga. Ele, que sabia da arte, não consegue nada. Ele, homem experiente na escolha das horas e das rotas, engana-se redondamente. Ele, chefe da companha, vê-se sem nada nem para si e nem para os trabalhadores contratados. E claro para as suas famílias e os cobradores de impostos. Dura e amarga decepção que se prolonga enquanto não surge outra oportunidade! Esta não tarda, mas tem um alcance especial, simbólico.
Chega Jesus rodeado da multidão. Senta-se na sua barca, pede-lhe que se afaste e começa o ensinamento desejado. Depois diz sem rodeios: “Avança para águas mais profundas e lança as redes para a pesca”. Grande desafio que, simultaneamente, é enorme provocação. Simão Pedro vence todas as resistências interiores, supera as dúvidas e os medos, esquece o cansaço, anima os companheiros e exclama: “Em atenção à Tua palavra, vou lançar as redes”. A confiança surge do abatimento consciente qual flor mimosa do charco pantanoso.
Jesus sente-se reconfortado com esta decisão de Pedro. Traz consigo a experiência dolorosa de ser rejeitado pelos conterrâneos de Nazaré, de ameaça à sua própria vida, de correr riscos iminentes. Deixa perceber a preocupação pelo futuro do movimento que o anúncio da boa nova de Deus está a suscitar. E resolve tomar providências. Vai dar início ao discipulado, convidando homens do mar da Galileia. Quer tê-los consigo a fim de viverem uma experiência original, familiarizarem-se com o seu estilo de vida, aprenderem a novidade da mensagem e, em linguagem marítima da época, serem pescadores de homens, isto é evangelizadores a tempo inteiro e de coração liberto de todas as amarras.
A confiança de Pedro é compensada com uma pescaria abundante. A surpresa não podia ser maior. A experiência resulta em cheio. Tem de pedir socorro, de chamar a outra embarcação. E todos juntos, em solidariedade activa, saboreiam e repartem a abundância da pescaria exuberante. E todos juntos, sentem-se envolvidos por um sentimento de admiração e espanto, de temor e reverência. E Pedro, protagonista do episódio, toma a dianteira, reconhece a indignidade da sua atitude inicial e declara-se pecador arrependido. A abundância foi caminho para o encontro com o Senhor. Que bela lição!
Jesus acolhe a sinceridade desta confissão e, mais uma vez, manifesta a grandeza do seu coração misericordioso, da sua bondade sem limites, da sua forma de lançar as sementes de um futuro promissor. A partir das condições humanas, marcadas pelo limite, pela dúvida, pelo medo, pela fadiga; mas igualmente com o selo da confiança generosa e da adesão incondicional.
A abundância, que provoca a satisfação das carências dos empobrecidos, surge, repetidamente, nos Evangelhos como manifestação do “divino” no “humano”. Alguns exemplos comprovam o alcance desta afirmação: A pesca da companha de Pedro; a multiplicação dos pães; o vinho novo das bodas de Caná; a parábola do grão de mostarda; o banquete do Pai bondoso ao receber em casa o filho regressado. São mãos humanas que repartem os dons de Deus, são atitudes de solidariedade fraterna que desvendam o rosto do Pai comum, são discípulos missionários que, conscientes das desigualdades imperantes, anunciam que outro mundo é possível. E se é possível, deve ser construído. Por imperativo ético humanitário em que se espelha a mensagem que Jesus nos legou, o projecto de salvação universal. É preciso coragem resistente a toda a prova.
Eles, os pescadores da companha de Pedro e de Tiado e João, levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e seguiram.no. Finalmente livres para novos empreendimentos, para sulcar outros mares. A confiança abre caminho à abundância, a surpresa de Deus que Jesus nos oferece. Vale a pena fazer esta experiência feliz.