Reflexão de Georgino Rocha
Outro mundo é possível
Jesus escolhe a sua terra natal para fazer a proclamação oficial da sua missão. Vai à sinagoga, participa na celebração, pega no livro que lhe é apresentado, lê com clareza o texto, enrola o pergaminho (fecha o livro), entrega-o ao ajudante, senta-se e declara com serena firmeza: “ Cumpriu-se, hoje mesmo, esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”. Movimenta-se livremente na assembleia que, nele, tinha os olhos fixos. Adopta atitudes rituais de mestre reconhecido. E Lucas, o autor do relato, adianta uma observação pertinente: “Todos aprovavam Jesus, admirados com as palavras que saíam da sua boca”.
O “manifesto da campanha” missionária de Jesus lança raízes em Isaías, o profeta da reconstrução de Jerusalém após o regresso do exílio da Babilónio. A situação é calamitosa. A cidade continua em ruinas e tarda a reconstrução. O culto dos ídolos perdura. O desânimo acentua-se. As tensões entre judeus e estrangeiros intensificam-se. O ambiente social e religiosa é de grandee confusão pois a experiência desvenda o horizonte de Deus aberto a outros povos e a pessoas que a religião judaica considerava em “pecado”. É necessária uma intervenção que faça brotar nova esperança.
Jesus destaca na sua leitura os pobres, os prisioneiros, os cegos, os oprimidos, o ano da graça do Senhor. A todos oferece o dom correspondente à sua situação: a boa nova, o resgate, a vista, a liberdade. E garante que foi ungido pelo Espírito do Senhor para fazer este anúncio. A sequência da narração de Lucas testemunha com abundância os gestos e as acções, as palavras e as atitudes, o amor de paixão até à morte com que realiza o anúncio agora feito na sua terra natal.
A boa nova sai da boca de Jesus e ecoa em todos os tempos da história e lugares da terra. Outro mundo é possível. A ordem estabelecida pode humanizar-se, cedendo lugar a uma outra mais inclusiva e sem descriminações. Os pobres verão a sua dignidade reconhecida e a sua posição social garantida com o acesso facilitado a um trabalho “decente” e justo, a uma habitação condigna e a uma família respeitada na liberdade de escolha da educação dos seus filhos.
Outro mundo é possível. E acontece o resgate de todas as cadeias que aprisionam pessoas, isolam indivíduos, cortam sonhos de realização integral a quem tantas aspirações alimenta. Resgate de preconceitos e ideologias redutoras, de tabús e radicalismos fanáticos, de paragem no tempo que leva a repetir frases feitas como slogans de verdade.
Outro mundo é possível. É garantia de Jesus que nos vê com os olhos do coração e nos ama com amor de doação incondicional, convidando-nos a seguir as suas atitudes de apreço e proximidade, superando todas as barreiras e sanando todas as cegueiras, inclusivamente a do espírito bloqueado em relação à fé e à ética social e económica.
Lucas polariza o anúncio de Jesus na liberdade dos oprimidos. E quantas opressões continuam a subjugar as pessoas! A história faz registos tristemente memoráveis de muitas. O presente testemunha, de forma eloquente, tantas outras igualmente gritantes: violência doméstica, pressão de lobys de todo o tipo, isolamento forçado, destroços de vítimas de explosões provocadas, naufrágios…espartilho económico que asfixia família e empresas.
A liberdade que Jesus anuncia condiz com a humanidade reconhecida como património comum a que todos pertencemos por direito próprio e queremos legar aos vindouros, com a vocação à realização integral de cada um mediante o esforço pessoal, o desenvolvimento solidário e a misericórdia compassiva, com a comunhão com o Senhor da vida, criador de todos os bens e dispensador de todas as graças.
A verdade deste feixe de relações torna a liberdade mais consistente, mais humana, mais aberta e universal. Vive-a e experimenta uma nova fonte de felicidade.