Crónica de Maria Donzília Almeida
A vida foi verdadeiramente madrasta para Camilo
O sol acordou pálido e assim permaneceu ao longo do dia, tímido, escondido atrás de nuvens cinzentas.
Apesar das condições meteorológicas pouco risonhas, isso não demoveu o grupo da US de empreender a viagem rumo a terras minhotas.
No âmbito da disciplina de História e Jornalismo, o nosso formador organizou uma visita de estudo à Casa de Camilo, em S. Miguel de Seide. Situada em Vila nova de Famalicão, fez-me evocar o triénio que lá vivi, entre 1979 e 1982. Gratas recordações, dum período áureo da minha vida, ali, em pleno coração do Minho, que tanto me fascina, pelas características de uma paisagem ímpar. Com a exuberância da sua vegetação, onde os regatos serpenteiam pelos campos verdes, a vinha de enforcado se ergue altaneira em esteios de pedra granítica, qualquer forasteiro se sente aconchegado nesta moldura natural.
Foi aqui, no meu ambiente de trabalho, que me tornei mulher e mãe, A Mulher de trinta Anos, na ficção de Honoré de Balzac…
Não admira que este cenário mágico que Camilo contemplava da janela do seu quarto, tenha sido tão inspirador e lhe tenha dado a verve para escrever os seus numerosos romances.
Foi um lugar revisitado, agora na companhia dum grupo da MaiorIdade. Com mais tempo, com outra disponibilidade mental, percorremos os aposentos da residência, observando e registando cada pormenor. Pela voz da Dª Cândida, a guia que nos conduziu pelos recantos da casa, fomos transportados à época e aos lugares, em que Camilo viveu a sua odisseia. Com uma admirável memória, ia recitando excertos da obra literária do escritor, ilustrando cada episódio que evocava.
Foram relembrados os dados biográficos de Camilo Castelo Branco. Nasceu em 1825 em lisboa e, por vicissitudes várias, passou por Vila Real, Porto, tendo por fim fixado residência em S. Miguel de Seide. Foi romancista, dramaturgo, historiador, poeta e tradutor, tendo sido um dos escritores mais prolíferos e marcantes da literatura portuguesa, talvez a maior figura do movimento romântico.
Teve uma infância infeliz, tendo ficado órfão de mãe quando tinha apenas 1 ano e de pai aos dez anos de idade. A vida foi verdadeiramente madrasta para Camilo, acabando por lhe condicionar, como o próprio diria mais tarde, “um caráter de eterna insatisfação“.
De temperamento instável, fogoso e boémio, envolveu-se em aventuras rocambolescas que lhe consumiam a saúde e o património. Andava sempre na penúria e escrevia de forma compulsiva para angariar o sustento da família.
A par com outras, sentiu na pele a desventura da insanidade mental, num elemento da sua prole, que lhe infernizava a vida, impedindo-o de dormir.
Como resultado da sua vida desregrada, contraiu a sífilis que o haveria de conduzir a um desfecho trágico – a cegueira. Esta fora-lhe diagnosticada e confirmada como irreversível por um oftalmologista de Aveiro, o Dr. Magalhães Machado que visitou o escritor em 1 de Junho de 1890. Não resistindo a tão cruel destino, nesse mesmo dia, pôs termo à vida com um tiro de revólver.
Teve uma existência muito atribulada, com uma vida que conseguiu ser mais mirabolante que qualquer um dos seus romances.
Com tantas recordações e o peso de tão dramática existência, era enorme a minha vontade de captar imagens, neste local emblemático. Quando ia a disparar… verifiquei, para meu grande espanto… que a câmara tinha perdido a memória. Contagiada pela desdita do romancista? Insondáveis os desígnios da tecnologia.
Apesar de o sol nunca nos ter afagado e ter deixado as nuvens derramar as suas lágrimas, já ao fim da tarde, por um astro-rei moribundo, não nos impediu de parar, em Stº Tirso, para adquirir os famosos jesuítas, o doce conventual da terra.
E… para mais tarde recordar, fomos brindados com um “miminho”, feito por mãos de fada e oferecido pelo dinamizador da visita de estudo: uma saqueta de cheirinhos com inscrições da prosa camiliana. Para o nosso álbum de recordações!