Reflexão de Georgino Rocha
«Faltando o vinho da festa na cultura,
desvanece-se a clareza dos critérios éticos»
A festa de um casamento em Caná da Galileia oferece a Jesus a oportunidade de iniciar a série de sinais da novidade da sua missão. Sete são apontados por João evangelista como especialmente significativos, mas confessa que há muitos outros. Todos e cada um manifestam à saciedade o seu amor de doação incondicional, a paixão constante da sua vida entregue por um mundo novo.
O autor da narração apresenta o que acontece na boda dos noivos e o grande simbolismo que encerra. Todos os elementos descritos apontam para um horizonte aberto, novo, diferente. De cada um se pode colher uma mensagem de grande alcance que nos toca profundamente: O espaço familiar e público, o ambiente de festa nupcial, a presença da Mãe de Jesus e a sua atenção discreta ao que acontecia, o diálogo com Jesus e com os serventes, as talhas vazias que são, de novo, cheias de água corrente, a silenciosa intervenção de Jesus que, desta água, realiza a maravilha do vinho novo, com mais qualidade do que o anterior, a encantadora admoestação do chefe da mesa ao noivo: “Tu guardaste o vinho bom até agora”. Os rituais da purificação perdem sentido. Abre-se o horizonte a uma realidade nova, a do vinho de Jesus servido na ceia de despedida, a eucaristia agora celebrada como seu memorial. “Fazei isto em memória de mim”.
“Não têm vinho”, observa a Mãe de Jesus. O vinho da festa está a faltar com o risco do fracasso e da desilusão. Faltando o vinho da alegria, surge a tristeza amarga, obscurece o brilho do olhar e a fisionomia do rosto, endurece a rigidez das relações entre as pessoas “abafadas” e acentua a rispidez nas atitudes e nos comportamentos. A vida em sociedade torna-se um mostruário de gente introvertida, formal e agreste na comunicação.
Faltando o vinho da esperança, fecha-se o horizonte do presente, morrem os sonhos de felicidade e envelhecem, antes do tempo, as aspirações mais genuínas. Sem o vigor da esperança, “para” o motor da vida.
Faltando o vinho do trabalho digno e estável, reina a precariedade e a dependência, agrava-se a anestesia das capacidades humanas e nasce a sensação estranha de estarmos a mais no festim da vida que é de todos, com todos e para todos.
Faltando o vinho da festa na cultura, desvanece-se a clareza dos critérios éticos e dos valores solidários e são congeladas as energias revigorantes de tantos audaciosos que lutam, como a larva para sair do casulo e ser borboleta, para alcançar uma situação nova, onde possam respirar o ar da liberdade na verdade.
“A fragmentação do tecido comunitário, afirma Bento XVI, reflecte-se num relativismo que oculta os valores essenciais… Pertence também à cultura privada do vinho da festa a aparente exaltação do corpo, que na realidade banaliza a sexualidade e tende a fazê-la viver fora de um contexto de comunhão e de amor”.
Em Caná da Galileia, Jesus alia-se aos participantes na festa do casamento e, a pedido da Mãe, oferece-lhes o vinho saboroso de mais qualidade, o vinho novo. A sua intervenção valoriza os recursos materiais e humanos existentes. As talhas, quais sepulturas da sujidade legal e vazias da água purificadora, convertem-se em reservatórios de vinho novo, os serventes da mesa em preciosas testemunhas da maravilha ocorrida e fieis portadores da alegre novidade, o chefe de mesa em provador que confirma a qualidade do novo vinho e o noivo inquieto em sereno conviva que vê selada a festa do amor com a sua noiva.
Ontem como hoje! A realidade fala mais alto. Quem tem olhos para ver e ouvidos para escutar e, sobretudo, coração para pressentir e avisar? O vinho de Jesus é a nossa alegria. Experimenta!