Reflexão de Georgino Rocha
é a suprema razão da vida
que gera alegria
e faz brotar a felicidade»
Jesus adopta o contraste para deixar claro o seu ensinamento sobre a boa nova que pretende implementar. É a novidade do Reino de Deus que o apaixona e constitui a sua missão prestes a atingir o ponto culminante da realização. Após os diálogos tensos com os saduceus, fariseus e herodianos, surge agora a vez dos escribas. Mc 12, 38-44. O local é a esplanada do Templo. Está presente a multidão que o acompanha e os discípulos que o rodeiam. A exortação sai clara e veemente. “Acautelai-vos dos escribas”. E a explicação é convincente e não deixa margem a dúvidas. Exibição, vaidade, presunção, exploração e usurpação de bens. “Devoram a casa das viúvas a pretexto de fazerem longas orações”. Verificação terrível! E a sentença que os espera será muita severa. Quem não fica “incomodado” com o realismo e a força desta interpelação, a abrangência e actualidade da sua denúncia, o impacto do contraste de quem enriquece à custa dos pobres indefesos e da fraude legitimada pelo recurso às práticas religiosas?!
Após o ensinamento à multidão, Jesus convoca os discípulos, entram no Templo e colocam-se junto à arca do tesouro, local estratégico de observação. Ricos aproximam-se exibindo como pavões as suas vestes e a sua avantajada oferta. Também uma pobre viúva vai deitar discretamente a sua esmola, apenas uns centavos. E com a mesma descrição se retira e desaparece na multidão. Apenas a sua silhueta e o seu gesto ficam na retina de Jesus que vê mais longe, com maior profundidade. E quer transmitir aos discípulos este modo de ver, de ler a realidade, que será típico do homem crente. Como necessitamos deste novo olhar, de avançar pelos sinais e chegar ao coração, de ultrapassar as aparências do ter e chegar à autenticidade do ser humano, de superar a justiça legal e alcançar a ternura da misericórdia.
Aqui brilha a riqueza da mulher, viúva pobre. Não dá sobras nem restos. Não prescinde apenas do conveniente e do necessário. Vai mais longe, como certamente estava habituada a fazer na vida familiar: deu tudo quanto possuía, deu-se a si mesma, mostrando a razão do seu viver. A doação por amor é a suprema razão da vida que gera alegria e faz brotar a felicidade. O egoísmo individualista ou grupal atrofia a pessoa e as suas capacidades, provoca a rotina cansativa e esteriliza a criatividade.
Diógenes, cínico filósofo grego da antiguidade, quando passava pelo mercado da sua terra ria-se com grande vivacidade e ar feliz, dizendo que via tantas coisas de que não tinha necessidade nenhuma. E voltava a rir-se às gargalhadas. Bastava-lhe a sua vida sóbria, pautada pelo desejo controlado. Aqui está o segredo e a arte da felicidade. Educar os desejos, treinar as apetências, aprender a olhar, encaminhar os afectos, abrir horizontes de realização integral as aspirações legítimas.
A riqueza da mulher está na confiança em Deus solícito por todos e não discricionário, na partilha generosa e humilde de bens, na simplicidade e na alegria de viver, na autenticidade da sua atitude independentemente do que outros possam pensar e dizer, na liberdade interior face a ambições e a preconceitos que lhe permite ser ela mesma onde quer que se encontre.
Jesus observa o que acontecia. O seu olhar atento não é de fiscal contabilístico, nem de chefe de qualquer “alfândega da fé”. Mas antes, olhar de quem a realidade, a compreende, a designa pelo seu nome, a quer transformar para melhor servir a pessoa humana e as suas agregações. O olhar de Jesus é um olhar de misericórdia, contemplativo e amigo.
Obrigado, pobre viúva sem qualquer consideração social. És a mulher rica dos bens de Deus que Jesus nos deixa como guia exemplar.