terça-feira, 15 de setembro de 2015

A Nossa Gente: Manuel Mário Bola

"O gosto pela construção de maquetas 
náuticas veio dos tempos de menino"


Manuel Mário Bola
Manuel Mário Bola, 70 anos, casado com Maria de Lurdes Cravo, dois filhos, Carlos Jorge e Luciana, uma neta e um neto, chefe de máquinas em navios bacalhoeiros e outros, tem o mar no coração. Conhece os mares gelados do Atlântico Norte e os mares quentes da costa africana, desde Angola, Moçambique, Malásia e Somália, entre outros países que cita de cor. E mesmo depois de reformado não prescinde das águas serenas da nossa Ria, onde pesca habitualmente. No dia em que o entrevistámos, tinha ido pescar «uns robalitos», decerto para mais uma saborosa caldeirada, que salsa já estava à mão.
Recebeu-nos com natural lhaneza nos seus espaços de trabalho, com máquinas para madeira e ferro prontas a funcionar, umas compradas e outras construídas por si. Um pouco por cada canto há imensas peças relacionadas com o mar e navegação. Mas nós, que apreciámos inúmeras vezes a sua célebre Nau S. Felipe em exposições diversas, queríamos olhar de perto maquetas (como lhes chama), que são, no fundo, miniaturas de navios, onde predominam os lugres, nos seus modelos variados. Lugres simples, lugres Patachos, Iates e Palhabotes, qual deles o mais bonito. E com paciência de monge lá nos foi explicando as características de cada um, a nós que somos da beira mar e  beira ria, mas pouco percebemos destas artes marinhas.

A sineta que veio do fundo do mar

O gosto pela construção de maquetas náuticas veio dos tempos de menino. «Nas férias da escola primária ia trabalhar para o Estaleiro Mónica, do mestre Manuel Maria. Ajudava os carpinteiros e depois comecei a gostar disto», recordou Manuel Mário Bola, com um sorriso terno no olhar. E como qualquer criança, começou a fazer os seus barquinhos para brincar. Percebeu então, e com alguma modéstia o afirma, que os barquinhos saíam bonitos. «O meu falecido pai até dizia que eu tinha de ir para carpinteiro». Mas afinal foi para as máquinas, onde também se realizou, como nos confidenciou.
A partir de 1970, com 25 anos, começou a fazer miniaturas, apaixonou-se pelos lugres, «muito mais bonitos que os arrastões». Contudo, não deixou de construir um, o "Coimbra", onde também embarcou, tendo por capitão o conhecido Valdemar Aveiro, agora administrador da empresa proprietária daquele navio.

Conchas raras com incrustações de séculos
Manuel Bola não brinca com esta arte. Os modelos que constrói apoiam-se em planos que adquire e que segue rigorosamente, respeitando «a escala». Nota-se a riqueza de pormenores em todas as fases, que só mãos hábeis e treinadas conseguem dar vida a modelos que traduzem um realismo que nos impressiona. Os modelos não nascem a partir de um tronco qualquer, porque o artista, que o é, sem dúvida, opera como se num estaleiro estivesse, peça a peça, caverna a caverna, cabo a cabo. 
Ouvir Manuel Mário Bola é ouvir uma lição viva deste seu mundo, que foi o mundo em que vivemos há décadas, quando a construção de navios de madeira nos estaleiros da Cale da Vila, na Gafanha da Nazaré, nos era tão familiar. Depois veio o ferro e a beleza dos navios foi substituída, certamente, pela funcionalidade dos novos tipos de pesca, com recurso a redes.

Com alguns dos seus trabalhos
A nau "S. Felipe", a sua obra-prima, é também a maqueta mais completa e mais vista, garante-nos Manuel Mário, porque já marcou presença em várias exposições, nomeadamente nos Estados Unidos, na cidade de New Bedford, no Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas, em 10 de junho de 2003, em representação do nosso concelho de Ílhavo. Impressiona o mais leigo dos observadores pela meticulosidade do trabalho, com todas as peças feitas exclusivamente por si. Os projetos vieram de Itália. Inicialmente adquiriu cópias, mas por fim conseguiu o original que teve a gentileza de nos exibir. 

Plano original da Nau
Manuel Bola gastou 5300 horas em 12 anos de estudos e trabalhos, e nesta nau nada falta. Inclusive, no seu interior, reproduziu tudo o que os planos referiam, nomeadamente, os camarotes e as masmorras dos escravos, que não se podem ver por tudo estar fechado com a restante estrutura daquela embarcação histórica. No convés veem-se os canhões, «feitos ali no meu torno», esclarece. 
Conforme nos referiu, esta nau foi utilizada na era dos Filipes (1580-1640). «Segundo sei, havia duas naus iguais; uma naufragou e esta continuou ao serviço de transporte da Índia para a Europa e vice-versa», disse. E acrescentou: «Posteriormente, foi emprestada para Itália, e mais não sei.»
Não se julgue, contudo, que Manuel Mário Bola se fica pelas construção de miniaturas de navios e outras embarcações, pois o seu espólio daria à vontade para uma grande sala de um qualquer museu, mas o seu grande sonho, que alimenta há muito, é ver esse espaço expositivo na Gafanha da Nazaré. Garantiu-nos, entretanto, que há anos houve diligência no sentido de a APA (Administração do Porto de Aveiro) ceder uma área nos velhos edifícios, mas as promessas caíram em saco roto, o que o entristece. «Penso que não há interesse…», adiantou.
Manuel Bola não se cansa de procurar tudo o que diz respeito a esta sua paixão, ligada ao mar e à ria. Frequentador de feiras de velharias e antiguidades, há muito que nada tem comprado, «porque não tenho visto nada que me interesse; já tenho tudo», garantiu. E na verdade possui muito para mostrar: Rádios antigos, marítimos e outros, agulhas de marear, bitáculas com agulhas aferidas pelos técnicos da marinha, rodas de leme, sextantes, relógios, cronómetros de precisão, galdropes, clinómetros, barómetros, corais, conchas, algumas onde se distingue a madrepérola, de zonas e mares diferentes, fotos, projetos em pergaminho e alguma literatura. 
O nosso entrevistado fez questão de salientar que tudo o que possui não está à venda, embora construa, a pedido, algumas maquetas. «Para o inverno que vem, tenho duas encomendas de lugres», informou. E sobre o preço, disse que varia, conforme o trabalho que exige. E esclareceu: «Há modelos feitos de tábuas direitas, que são muito mais baratos, e os que são feitos peça a peça, tal como acontece numa construção real num estaleiro, que dão mais trabalho, saem naturalmente muito mais caros.»

Fernando Martins

NOTA: 
1. Texto publicado no TIMONEIRO de Setembro;
2. A foto da Nau não teve qualidade. Terei de voltar para a mostrar aos meus leitores.




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