Reflexão de Georgino Rocha
A sociedade está organizada
com base no binómio
honra e vergonha
Jesus deixa Cafarnaum e faz uma visita a Nazaré, terra em que reside durante muitos anos e onde é bem conhecido. Mc 6, 1-6. Ao sábado, vai ao culto na sinagoga, como bom judeu. Observa as práticas rituais e, quando chega a vez da intervenção dos presentes, toma a palavra e faz um ensinamento que provoca assombro na assembleia. A reacção é imediata, pois o seu estatuto social não condizia com tanta sabedoria. A vida quotidiana da sua família era tão normal que ninguém notava algo de estranho. A inserção na comunidade local e nas práticas cultuais identificava-o como verdadeiro nazareno.
E neste ambiente simples e sóbrio, Jesus vive em comunhão profunda com Deus Pai, em união filial com Maria, sua Mãe, em relação com os demais familiares, com a vizinhança. Dá-nos a lição do amor à família, ao silêncio e ao trabalho, segundo Paulo VI, na homilia que faz aquando da visita a Nazaré, em 1964.
A sociedade está organizada com base no binómio honra e vergonha. Se alguém crescia em honra, em fama, em nome, em prestígio, outrem era defraudado, rebaixado, menosprezado. Os ouvintes de Jesus vivem esta cultura e, por isso, fazem perguntas de admiração e suspeita tão directas. Não citam o nome, mas recorrem a expressões como este, ele, artesão, filho de Maria, parente de familiares, nossos conhecidos. E estavam desconcertados. Os dados de identificação tradicional não justificam as acções que Jesus faz nem a fama de que goza, a autoridade com que fala nem a sabedoria que manifesta. Mas, negar os factos, era ingenuidade e os “mestres” religiosos não querem passar por essa vergonha. Aceitá-los era sensatez que exigia uma atitude nova: interrogar-se sobre quem lhe daria tais capacidades, reconhecê-lo como profeta, admitir a suspeita de que a esperança messiânica estava a ser realizada.
Outrora como agora! A excelência da doutrina, o bem-fazer da prática solidária, a presença de proximidade, a preferência pela libertação dos pobres, a atenção solícita pelas crianças, a sanação inclusiva dos doentes e das mulheres, a nobreza do seu comportamento perante a autoridade… e muitas outras facetas da vida de Jesus provocam espanto e admiração. E fica-se por aí, mantendo-se o circuito fechado da razão humana, o horizonte limitado da aparência, a memória do passado sem abertura ao futuro da promessa. Não surge a interrogação fundamental: Não será a hora da novidade com que Deus nos surpreende? Não é este o Messias, o Filho de Deus bendito? Não espera de mim uma atitude de acolhimento, de resposta, de fé?
Jesus recorre a um provérbio popular para lhes dar resposta e desfazer a rede de comentários. “Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa“, versão adaptada de um outro que era mais corrente: “Nenhum profeta é respeitado no seu lugar de origem, nenhum médico faz curas entre os seus conhecidos”. A provocação também não resulta.
Fica admirado com a falta de fé dos seus conterrâneos. Sente-se desacreditado pelas autoridades do judaísmo e vê crescer a indignação de sectores influentes. Apesar disso continua a desenvolver a sua acção, a levar por diante a realização do projecto de salvação, a anunciar a boa nova do reino. As suas opções contrastam com a cultura predominante: faz da recusa um impulso para a missão, da pobreza de meios a riqueza generosa da doação, do serviço humilde a credencial da autenticidade da sua mensagem.