Reflexão de Georgino Rocha
«Queremos ser uma Igreja “resto” de fiéis
ou um “resíduo de tradições religiosas
progressivamente insignificantes?»
Um homem lança a semente à terra, um grão de mostarda é colocado na horta. Mc 4, 26-34. Neste cenário tão simples, Jesus dá a conhecer o “mistério” do reino: a sua presença discreta, a energia fecunda da sua seiva, a tendência universal do seu crescimento, a certeza inabalável da sua realização em benefício do ser humano chamado a adoptar, livremente, a atitude responsável mais congruente. Que contraste com a forma tradicional de apresentar o reino de Deus! Que impacto não começa a provocar na gente ilustrada e curiosa que acorria a ouvir Jesus para examinar a sua ortodoxia!
As árvores frondosas e robustas cedem lugar a simples grãos de semente. O messias “arrasador” surge como um humilde semeador de hortas e campos, amigo de excluídos sociais pelos líderes políticos e religiosos. As técnicas vitoriosas não têm a ver com a manipulação indiscriminada das sementes nem com o controle hegemónico do sistema alimentar ou a quantidade numérica da produção; tem a ver sobretudo com a proximidade, o cuidado, o serviço e a confiança. Os frutos apetecidos manifestam-se no acolhimento aberto a todos, na fecundidade generosa, na aceitação humilde das leis do crescimento, na qualidade do relacionamento.
Os cristãos, no seu agir diário e nas opções que tomam a prazo, encontram-se perante um dilema crucial: Queremos ser uma Igreja “resto” de fiéis ou um “resíduo de tradições religiosas progressivamente insignificantes? Resto à maneira da semente que silenciosamente germina no interior da terra e do grão de mostarda que cresce progressivamente e se faz arbusto resistente e maleável onde vêm poisar as aves do céu? Arbusto exposto, em interacção com o meio ambiente, acolhedor e fecundo?
A evolução da mudança em curso, sobretudo na Europa, faz disparar todos os alarmes humanos. O Papa Francisco, e, com ele, tantos homens e mulheres com o sentido da realidade, lançam propostas de renovação que pretendem fazer do “resto fiel” um povo que sabe em quem confia e transmite por contágio a alegria do Evangelho. Esta é a hora da coragem humilde, da ousadia serena, da criatividade fiel.
As parábolas são como o pavio fino de uma vela que, aparentemente, não têm valor nenhum, mas sem ele não surge a luz que ilumina, aquece e atrai; são como um tesouro escondido que encerra o “valor divino do humano” e a sabedoria das culturas surgidas da experiência da vida partilhada. Realmente, “a semente é a Palavra de Deus e o semeador é Cristo”.