Reflexão de Georgino Rocha
TOMAI E COMEI O PÃO DA VIDA
A ceia pascal de Jesus com os seus discípulos é narrada por Marcos de modo sóbrio e substancioso. Mc 14, 12-16 e 22-26. Nada a mais é dito que possa distrair do seu núcleo central e dos seus gestos significativos, bem como da disposição radical do seu único protagonista. Tudo se conjuga e converge na entrega do corpo e no derrame do sangue feitos generosamente por Jesus em prol de um mundo novo, fruto de uma nova aliança. Tudo se centra no pão que é partido e repartido e no vinho que é tomado e bebido. Pão e vinho, frutos da terra e do trabalho humano que, pela força do Espírito Santo, se convertem no corpo e no sangue do Senhor Jesus. Que maravilha de simplicidade e clareza! Que beleza de atitudes e sentimentos! Que riqueza de sentido intencional e de discreta presença amorosa!
“Onde queres que façamos os preparativos?” – indagam os discípulos para saberem o que fazer. Pergunta sensata, pois os habitantes de Jerusalém, por ocasião da festa da Páscoa, costumavam disponibilizar espaços das suas casas para os peregrinos se alojar e celebrar a ceia em família ou com os amigos. Pergunta que fica para sempre a marcar o coração humano, a família de sangue, a comunidade cristã e a outros espaços de vida em sociedade sensível a estes valores. “Onde queres?”
“Ide à cidade” – responde Jesus, mostrando claramente a sua vontade. É na cidade dos homens que quer celebrar. É pela cidade que se vai doar. É com a cidade que quer cantar os salmos de louvor. É para a cidade que encaminha os discípulos à procura de quem manifeste os sinais indicados: vir ao encontro, trazer uma bilha de água, estar a caminho de casa. A identificação resulta em cheio. O caminho está aberto e o local encontrado. “O Mestre pergunta: onde está a sala?” – dizem ao dono da casa. Sobem e preparam tudo o que era necessário, segundo o ritual judaico. Pergunta que continua hoje: “Onde está?”
Jesus que, desde o começo toma a iniciativa da vinda à festa, realiza a ceia memorial de quanto Deus fez pelo seu povo desde a libertação da servidão no Egipto até à posse da terra prometida; ceia memorial da aliança celebrada no Sinai e das condições escritas nas dez palavras/mandamentos da Lei. E introduz um elemento novo: o pão da miséria é agora o pão da vida, o seu corpo entregue por amor; o vinho da aspersão é agora o vinho da salvação, o sangue derramado pelos comensais e por toda a humanidade. Pão e vinho da eucaristia são, desde então, o próprio Jesus, não em forma de símbolo, mas de sacramento; não em presença virtual, mas real; não a “fazer de conta”, a parecer, mas a ser verdadeiramente. Assumindo a substância do pão e do vinho na pobreza da sua consistência, na insignificância da sua visibilidade, no risco da sua fragilidade facilmente deteriorável.
A razão humana, por si mesma, ainda que muito se esforce, não consegue alcançar o que realmente acontece nesta acção admirável de Jesus. Vê gestos, escuta palavras, capta sentimentos, adverte no sentido manifesto, mas detém-se maravilhada e seduzida pelo que está contido no pão e no vinho transformados. Só a fé pode levar-nos ao seio do mistério. Só a confiança filial nos dá garantia da verdade de tão sublime presença. Só a relação fraterna nos abre ao amor da Eucaristia e nos leva a ser coerentes: “o amor com amor se paga”.
A eucaristia do corpo e sangue de Jesus é celebrada na assembleia cristã, sobretudo ao domingo, e conservada em reserva no sacrário. Esta reserva é designada normalmente por Santíssimo Sacramento. É sempre o Senhor que se oferece por nós, está à nossa disposição para nos acolher e alentar, para nos acompanhar nos caminhos da vida e abrir horizontes de futuro definitivo. Por isso, lhe retribuímos com o que somos e temos: atenção agradecida, acolhimento solícito, escuta amorosa, comunhão consciente, adoração ardente, entrega confiante. E damos testemunho público desta força divina que nos anima e encaminha, deste acompanhamento encorajante que nos revigora.
A Igreja celebra, hoje, a festa do Corpo de Deus, como popularmente é conhecida. Avivemos a nossa fé e deixemos que se robusteça a nossa esperança, pois quem parte e reparte o pão da eucaristia é convidado a partir e repartir o pão da mesa, dos recursos económicos, das oportunidades de trabalho, da entreajuda solidária, do sentido humano-divino da vida.