Um livro de J. Rentes de Carvalho
De Rentes de Carvalho pouco tinha lido. Uma crónicas, umas entrevistas, uns comentários, uns textos no seu blogue e nada mais. Livros nada. Sabia que era português radicado na Holanda e como escritor não foi conhecido durante imenso tempo entre nós. De vez em quando, os jornais e revistas falavam dele, como um português mais admirado na Holanda do que no seu próprio país.
De repente, os seus livros invadem os escaparates das livrarias e aí comecei a folheá-los, à cata de motivação para comprar um. E foi o caso. Comprei "Ernestina", onde na capa se transcreve uma apreciação do International Herald Tribune, que diz assim: «A melhor obra de J. Rente de Carvalho.»
Na contracapa, decerto um texto apelativo da QUETZAL, editora em Portugal dos livros de Rente de Carvalho, sublinha-se: «Ernestina é mais do que um romance autobiográfico ou um volume de memórias de família ficcionadas. É um retrato do Norte do país, entre os anos 1930 e 1950, que transcende o cunho regionalista e que atravessa fronteira, transformando-se num fenómeno invulgar em Portugal e no estrangeiro.»
Para quem como eu gosta das regiões transmontanas, que tive o privilégio de calcorrear em diversas férias familiares, este livro encheu-me as medidas, pelo estilo natural do autor, ao correr da pena, com descrições de paisagens e vidas de tempos da meninice e juventude de Rentes de Carvalho, que nasceu e viveu em Vila Nova de Gaia, de onde mirava o Douro e se encantava com vistas largas, sonhos e amores.
As visitas à aldeia dos seus avós, de férias com a família, de comboio desde o Porto até às origens dos seus maiores, deixam-nos extasiados pela riqueza dos pormenores relatados, pela ruralidade descrita, pelas cenas do acolhimento que lhes era dispensado à chegada, depois de horas e horas de viagem que parecia não ter fim. Em todo o livro se revivem quotidianos vivos, duros, marcados por lutas de sobrevivências agrestes, desamparadas.
Ernestina era sua mãe que ele descreve como «Teimosa, desastrada, desobediente, repontona, com queda para transformar em calamidade as coisas simples — um dia à janela deixou escapar das mãos uma jarra de vidro que por pouco ia ferindo um vizinho, doutra vez pegou fogo à casa, a brincar com uma faca cortou a boca até à bochecha — Ernestina tornou-se no seio da família uma espécie de risco permanente.»
«Ernestina é o romance autobiográfico de Rentes de Carvalho, a estrela portuguesa da Holanda. É a biografia de milhares e milhares de famílias portuguesas. É um livro terno, mas nunca lamechas. Um livro duro, mas que nunca corta a esperança. Um livro simples e obrigatório.» — garante Henrique Raposo, no EXPRESSO.
E por aqui me fico... O resto da história, que muito é, fica para quem gostar de ler. E mais não digo, para não estragar o prazer de ler a ninguém.