Reflexão de Georgino Rocha
O amor de Deus é um amor de entrega,
de doação, de misericórdia, de perdão, de libertação,
de ternura para com o mundo, para com todos
Deus, no seu filho Jesus, convida-nos a viver a revolução da ternura – afirma o Papa Francisco. Este convite constitui uma das constantes mais assertivas do Evangelho. Jo 3, 14-21. Nicodemos, velho mestre da Lei judaica, anda inquieto no seu coração e vai ter com Jesus, o jovem mestre que começa a ser conhecido, a ter nome público. Ele, trazia a letra da Lei consigo. Jesus vai desvendar-lhe o espírito da Lei. E João, o autor da narrativa, constrói uma rica conversa para dizer quem é Jesus Cristo, o filho unigénito de Deus.
“Deus amou de tal modo o mundo que entregou o seu Filho Unigénito” – afiança o novo mestre. Que ousadia por parte de Jesus! Que surpresa não provocaria no espírito perturbado de Nicodemos. O diálogo prossegue com novidades cada vez mais interpelantes.
O amor de Deus é um amor de entrega, de doação, de misericórdia, de perdão, de libertação, de ternura para com o mundo, para com todos. Embora o ser humano tenda a projectar os seus sentimentos em Deus – a ira, o castigo, a indiferença, a violência … e, a partir daí, configurar o modo de ser e de proceder divino –, Jesus “vai por outro caminho” e apresenta o Deus do amor como fonte e modelo do ser e do agir humano. Somos espelhos e agentes do amor divino, da sua ternura e misericórdia, da sua verdade e sabedoria. Vivendo em coerência e fidelidade, somos salvos. É certeza de Paulo escrita na carta aos cristãos de Éfeso.
O Filho entregue – Jesus – mostra-nos em atitudes concretas a ternura de Deus: assume a nossa humanidade frágil na encarnação, vive na família humilde de Nazaré, convive amigavelmente com os vizinhos, frequenta a sinagoga e peregrina ao templo, aprende a trabalhar, reza a Deus, seu Pai, acolhe quem o procura, vai ao encontro de quem está em necessidade, prefere os empobrecidos e marginalizados, anuncia a novidade do Reino que está em curso, perdoa com gestos de misericórdia, deixa-se tocar pelos “malditos” da lei, estende a mão em atitude de bênção e cura, abraça, chora, admoesta, consola, realiza uma ceia de despedida com os amigos e manda-lhes que a façam em sua memória, levanta-se, carrega a cruz, sobe ao calvário, agoniza e morre, visita as “zonas sombrias do nada”, ressuscita e mostra a vida nova aos discípulos, envia-os a anunciar o modo original de Deus em que nos quer envolver.
Este amor de doação e ternura que se parte e reparte e faz migalhas – como sacramentalmente acontece na celebração da eucaristia – gera o homem novo, é garantia de eternidade já presente na fragilidade humana, constitui caminho e abre horizontes a quem pratica a verdade e se aproxima da luz.
A revolução da ternura está em curso. É de todos e para todos. Ninguém fica de fora, a não ser que se autoexclua. “Todo o ser humano é objecto da ternura infinita do Senhor” – lembra Francisco mais uma vez. Fazer este percurso quer dizer: deixar a indiferença paralisante, passar do medo à confiança e da aparência à realidade, ver “na aragem quem vai na carruagem”, isto é, ir além dos rótulos e considerar sempre a pessoa na sua dignidade inviolável, vencer distâncias e fazer-se próximo, assumir o amor de doação benevolente como principal critério de vida e acompanhar quem quer caminhar para situações mais humanas. “Se consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isto já justifica a entrega da minha vida” – garante o Papa.
A serpente do deserto – sinal erguido por Moisés para servir de cura aos caminhantes fugitivos do Egipto – é agora a cruz do Calvário abraçada por Jesus Cristo para todos os peregrinos da vida que se deixam iluminar pela verdade e atrair pelo bem. Aceitemos este sinal. Vivamos na confiança radical da ternura sem limites do nosso Deus.