A gratidão é o único
tesouro dos humildes
William Shakespeare
Várias pessoas de estirpe enalteceram o valor da gratidão. Remontando à antiguidade, já Epicuro dizia que as pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o presente e encaram o futuro sem medo. Há evidências de que a gratidão gera bem estar, pois predispõe a mente para uma focalização positiva da vida. Pessoas mais gratas são naturalmente mais felizes, é um dado adquirido.
Se há um povo que tem este valor arreigado, sem dúvida é o povo americano. Para além de terem o dobro dos feriados que nós temos, há um que ocorre na 4º 5ª feira de novembro, chamado Thanksgiving (Ação de Graças), unicamente para agradecer a Deus, todos os dons da vida. Num jovem país com apenas dois séculos de história, é algo surpreendente.
É, precisamente, movida por este sentimento relativamente a uma pessoa que mergulhou na sociedade americana, o meu saudoso pai, que lembro com prazer esta efeméride.
Sendo ele uma pessoa bem formada e informada, passou pelo processo de aculturação e foi um elemento ativo e interventivo em terras do Tio Sam.
Recordo vivamente o conhecimento que tinha da cultura e da história americana e do domínio que já possuía da língua inglesa, aliás, um pré-requisito, para a aquisição da cidadania. A forma empenhada com que discutia as grandes questões da vida americana, como a luta dos negros pela igualdade de direitos, personificada em Luther King, as estratégias políticas do clã Kennedy, o fervor democrático do Novo Mundo, incutia, na sua prole, o respeito e a gratidão por uma nação que significou o futuro da sua família.
É com particular emoção e carinho que trago à memória, o que nos foi narrado, sobre esta celebração americana que o nosso pai vivenciou e partilhou durante sete anos.
O dia de Ação de Graças nos Estados Unidos é um pretexto para reunir família e amigos, partilhar uma refeição tradicional e expressar gratidão pelas coisas boas da vida. Também serve para prestar um serviço à comunidade e tem origem em festivais de colheita. Era costume expressar gratidão por uma colheita abundante, nas culturas, tanto dos colonos ingleses – os chamados peregrinos – que partiram da Inglaterra em 1620, como na dos nativos americanos que eles lá encontraram. Uma celebração da colheita, em 1621 na colónia de Plymouth, hoje Massachusetts, é geralmente considerada o primeiro dia Ação de Graças americano. Os peregrinos haviam chegado um ano antes no navio Mayflower. Eles tinham pouca comida e já era tarde para plantarem. Metade da colónia morreu durante o inverno de 1620/1621. Na primavera, os índios Wampanoags locais, ensinaram os colonos a cultivar milho e outras culturas nativas, a arte da caça e da pesca e mostraram-lhes como cozinhar amoras, milho e abóboras. Os colonos que tiveram colheitas abundantes no outono de 1621, convidaram os seus benfeitores para festejar com perus selvagens, patos, gansos, peixes e frutos do mar, milho, vegetais verdes e frutas secas. O chefe Wampanoag Massasoit e a sua tribo trouxeram carne de veado. Festivais de colheita tornaram-se um evento regular na Nova Inglaterra. O dia de Ação de Graças foi observado em várias datas, nos estados até 1863, quando o presidente Abraham Lincoln proclamou a última quinta-feira de novembro como o feriado nacional de Ação de Graças. Este foi ratificado em 1941, pelo presidente Franklin Roosevelt.
Uma refeição de Ação de Graças é servida para as tropas americanas estacionadas no exterior. Quando os americanos, em suas casas, se sentam à mesa e dão graças, muitas vezes expressam gratidão pela sua liberdade e pelos sacrifícios feitos para preservá-la. Muitas pessoas se voluntariam para preparar e servir refeições de Ação de Graças para os necessitados. Outros doam para campanhas de alimentos, ou entregam mantimentos para cozinhas comunitárias, igrejas e outros grupos de caridade. Um espírito de solidariedade exemplar, muito praticado e transmitido pelo nosso progenitor.
A relação entre nativos americanos e colonos europeus, nem sempre foi pacífica e tem passado por várias vicissitudes. Muitos nativos americanos, nos Estados Unidos, veem o dia de Ação de Graças como um “dia de luto nacional”. O governo americano consciente do problema promove o debate da história e da cultura dos nativos americanos nas escolas, durante o mês de novembro, designado como Mês Nacional da Herança dos Índios Americanos e dos Nativos do Alasca. De acordo com o Museu Nacional do Índio Americano, em Washington, o povo Wampanoag vive nas reservas ancestrais, da caça, pesca, agricultura e artesanato, como é típico nas tribos indígenas, em qualquer país.
No momento crucial da história portuguesa, apetece regressar ao passado e encontrar nele motivos de gratidão que o presente nos recusa.
Se houvesse, cá em Portugal, um dia de Ação de Graças, poria os nossos compadres alentejanos, num pedestal, pelo reconhecimento pela Unesco, do Cante Alentejano, como Património Imaterial da Humanidade, cujo título foi acabadinho de conquistar. Valha-nos o Alentejo, a sua riqueza patrimonial, o seu humor genuíno e a partir de hoje, mais esta glória para os Portugueses.