Crónica de Maria Donzília Almeida
Santuário do Bom Jesus
Durante a minha efémera permanência em terras minhotas e quando ares primaveris convidavam a um passeio dominical, o Bom Jesus de Braga impunha-se como um destino apetecido e ali mesmo à mão. À sombra de frondosa vegetação, aspira-se o ar puro que enche os pulmões, enquanto a mente se perde numa contemplação e reflexão retemperadoras da alma.
Nesta cidade, a natureza e a arte de André Soares e do coronel Vila-Lobos combinam-se para fazerem deste local um verdadeiro ex-libris da cidade dos Arcebispos.
O íngreme monte do Espinho, elevação sobranceira à cidade de Braga, possui um dos santuários mais importantes do Catolicismo nacional. A sua fundação foi uma iniciativa do arcebispo D. Jorge da Costa, que em 1494 mandou construir uma ermida e um percurso de imitação do Calvário como forma de revivificar a Paixão e Morte de Cristo. Procurava, desta forma, fortalecer a fé dos homens da sua diocese, através deste percurso sagrado ascensional. Passando por sucessivas remodelações e alterações nos dois séculos seguintes, o Bom Jesus do Monte assistiu em 1723 a um renovação profunda do seu espaço arquitetónico, por iniciativa do arcebispo D. Rodrigo de Moura Teles. Este e os arcebispos de Braga subsequentes fizeram deste santuário a mais enfática expressão do Catolicismo setecentista. Propunha-se um despojamento do mundo material, a condenação das ilusórias verdades concedidas pelos sentidos em favor de um caminho ascensional rumo à Verdade que a prática das Virtudes fundamentais permite alcançar. A ascese faz-se em consonância com os passos do martírio de Cristo, exemplo para uma "ressurreição" do crente e do seu encaminhamento numa via redentora e purificadora.
Assim, a alteração radical deste espaço devocional e artístico tem início em 1723, numa linguagem profusamente barroca, com a construção do pórtico, das primeiras oito capelas (sobreviveram apenas seis), as fontes e as rampas. As capelas de forma quadrada são preenchidas com cenas da vida e Paixão de Cristo, opondo-se a estas as fontes dedicadas a deuses pagãos. Colocava-se a verdade da fé cristã em contraste com a mentira dos cultos profanos. No topo da última rampa, foi colocada a Fonte de Júpiter. A finalização da primeira etapa do santuário é feita por uma escadaria que conduz o peregrino ao Terreiro das Chagas, obra atribuída ao arquiteto nortenho André Soares. Posteriormente foram aí construídas mais duas capelas, de formato hexagonal, prolongando as cenas do calvário de Cristo.
O programa artístico e religioso de D. Rodrigo teria o seu desenlace com a edificação do Escadório dos Cinco Sentidos, percurso ziguezagueante e que se consubstancia como uma alusão ao corpo humano. Cinco fontes correspondem a cada um dos sentidos da condição humana, aos quais se contrapõem esculturas do Antigo Testamento. Mais uma vez, este programa pretendia assinalar a transitoriedade do corpo e a fragilidade dos conhecimentos dele emanados e opor-lhes a Verdade divina alcançável pelo afastamento do mundo material.
No topo do escadório localizava-se a igreja barroca, inacabada em 1728, ano em que faleceu D. Rodrigo. Um rico comerciante de Braga, Manuel da Costa Rebello, manda edificar na parte posterior da igreja atual o octogonal Terreiro dos Evangelistas, obra de André Soares realizada entre 1749 e 1771.
Contudo, a igreja de D. Rodrigo, onde terão trabalhado alguns dos mais importante artistas bracarenses, tornou-se pequena para acolher tantos peregrinos e ameaçava ruína no terceiro quartel do século XVIII.
A nova igreja arranca em 1784 e é concluída em 1811. O genial arquiteto bracarense Carlos Amarante foi o seu criador, executando também o adro que a antecede e o Escadório das Virtudes, situado no espaço compreendido entre o velho e o novo templo. A igreja de Carlos Amarante é uma das primeiras edificações neoclássicas em Portugal. A sua fachada apresenta-se coroada por um frontão triangular e é ladeada por duas torres. De grandes proporções, o espaço interior unificado é sobriamente decorado.
O Santuário do Bom Jesus é uma obra de arte marcadamente simbólica, inserida numa natureza humanizada e ordenada pela palavra de Deus. Esta é vivificada nas alegóricas imagens da hagiografia católica e na racionalidade do seu duplo espaço arquitetónico - simbiose equilibrada entre o barroco triunfante e a moderna linguagem da arte neoclássica.