Um bispo "irmão dos pobres"
«“Se eu dou comida a um pobre, dizem que eu sou santo; mas se eu pergunto porque é que ele é pobre, dizem que sou comunista”. D. Hélder Câmara, que se fosse vivo teria completado 100 anos no passado sábado, várias vezes recebeu o epíteto de “comunista”. Era conhecido por “o bispo vermelho”. Mas nem sempre foi assim.
No início do seu ministério de padre esteve ligado do movimento integrista brasileiro, que tinha simpatias pelas ditaduras europeias, de direita. Décimo primeiro filho de um jornalista maçon e de uma professora primária, desde cedo quis ser padre. Cinco anos depois da ordenação, foi para o Rio de Janeiro e aí começou a luta pelos pobres.
Já bispo, cria a Cruzada São Sebastião (padroeiro do Rio), para “dar moradia decente aos favelados”, e o Banco da Providência, especialmente para os mais pobres. Este banco aceitava e dava dinheiro, mas também mobília, roupa, material de construção, serviços jurídicos, ofertas de trabalho, aulas de alfabetização, capacitação profissional… qualquer tipo de ajuda. Continua aberto, sempre com o lema “Ninguém é tão pobre que não possa dar nada e ninguém é tão rico que não precise de nada”, e atende 40 mil pessoas por ano, agora com “modernos instrumentos de gestão”(www.providencia.org.br).
D. Hélder Câmara empenhou-se igualmente na promoção da colegialidade dos bispos ao nível do país (a conferência episcopal brasileira é anterior ao Concílio) e do continente (com o Conselho Episcopal Latino-Americano, de que foi vice-presidente) e no governo da sua diocese. “Um sonho sonhado sozinho é apenas um sonho. Um sonho sonhado juntos é o princípio de uma nova realidade”, dizia.
O trabalho com e pelos pobres e a defesa dos direitos humanos mereceram-lhe a perseguição pelo regime militar brasileiro. Durante anos e anos não pode aceder aos meios de comunicação social daquele país. Mas fora do Brasil era cada vez mais escutado.
Em 1980, durante a viagem do Brasil, João Paulo II beijou-o na testa e deu-lhe o título de “Irmão dos pobres e meu irmão”, gesto que foi interpretado como encorajamento à acção do “bispo vermelho”. D. Hélder Câmara tinha como lema «In Manus Tuas» (“Nas Tuas Mãos”), o mesmo do actual Bispo de Aveiro [D. Antónioo Marcelino]. Esteve em Aveiro em 1986. A Sé encheu-se para o ouvir.
J.P.F.
Cronologia: 1909 – Nasceu em Fortaleza, no dia 7 de Fevereiro 1931 – Ordenado padre 1952 – Bispo auxiliar do Rio de Janeiro 1964 – Bispo de Olinda e Recife (até 1985) 1969 – Doutoramento honoris causa (1.º) em Saint Louis (EUA). Seria indicado quatro vezes para o Nobel da Paz 1985 – Bispo emérito (2 de Abril) 1999 – (27 de Agosto) Morreu no Recife 2008 – Início do processo de beatificação.
11-02-2009, no Correio do Vouga
NOTA: Quando transcrevi para o meu blogue um pensamento de D. Hélder Câmara, o famoso e antigo arcebispo de Olinda e Recife, no Brasil, veio-me à memória a visita que o «irmão dos pobres» fez a Aveiro em 1986, onde falou a uma sé repleta de gente católica e não só, estando presente D. Manuel de Almeida Trindade, e D. António Marcelino, na altura bispo coadjutor. Jamais esquecerei esse encontro com o chamado "bispo vermelho", de uma simplicidade cativante e de uma força interior empolgante.Não serei capaz de reproduzir as suas palavras, mas fiquei marcado indelevelmente pela presença de um homem carismático que mexia com o mundo na defesa dos pobres e dos mais frágeis da sociedade.
Evoco-o aqui com saudade. Bispos como D. Hélder Câmara fazem muita falta no tempo de hoje.