Uma reflexão semanal Georgino Rocha
«A cruz da vida faz parte da nossa condição humana. Querer evitá-la a todo o custo é pretender o impossível e renunciar a ser pessoa no desabrochar das suas potencialidades. Tantas árvores ficam raquíticas porque não tiveram um vento temperado que as fustigasse para lançarem raízes profundas, engrossarem o tronco e expandirem a ramagem!
Há sofrimentos que representam a medida de uma vida verdadeiramente humana; constituem o companheiro incómodo do nosso caminhar. Há cruzes que surgem também quando damos as mãos em acções e projectos que pretendem defender a vida e promover a sua qualidade para todos.»
Pedro fica perplexo com o que ouve a Jesus (Mt 16, 21-27). Contrastava tanto com o que havia experimentado. Realmente, era frustrante. Sentia-se desiludido, ele que tinha recebido tão rasgado elogio: Feliz és tu, filho de Jonas, por teres descoberto que eu sou o Messias; ele, o porta-voz, do grupo apostólico, que recebe a promessa de ser o alicerce da construção da Igreja e de ficar com as chaves da entrada no Reino; ele, que deixa o nome de família, e aceita ser chamado de modo novo – o da missão que lhe é confiada.
Perante o contraste, o impulso do coração leva-o a agir. A simples hipótese do sofrimento anunciado e do enfrentamento, com os chefes religiosos e políticos, poder conduzir à morte de cruz, constituía um verdadeiro tormento. Espontâneo e generoso, como era, resolve aconselhar o Mestre. Toma-o à parte e contesta-o abertamente. A sós, pensava, seria mais fácil dizer-lhe tudo o que entendia ser prudente e sensato, ele que não largava a ideia de um Messias vitorioso, libertador, capaz de desarmar todos os seus inimigos e instaurar a nova ordem anunciada. À medida que fala, dá conta que o semblante de Jesus se altera. Parece que transmite irritação profunda, fúria incontida. E de facto, a resposta ouvida é tão áspera e dura que o surpreende completamente. Fica em silêncio, sabe Deus com que amargura, a “gemer” a reprimenda e a tentar ouvir as instruções que Jesus ia dando aos discípulos. E por quanto tempo estas palavras o hão-de acompanhar: Põe-te no teu sítio, não queiras desviar-me do caminho traçado, tem em conta as coisas de Deus, não sejas ocasião de escândalo, retira-te, Satanás.
O sofrimento de Pedro situava-se, sobretudo, a nível moral e espiritual: sentir-se enganado, ver o futuro hipotecado, ser envolvido numa empresa com falência anunciada, ouvir denúncias claras de desvio religioso, de não estar em sintonia com Deus, mas de servir as pretensões de Satanás.
Jesus entende bem esta situação e vem iluminá-la com os ensinamentos aos discípulos de todos os tempos. A cruz da vida é a marca da existência e o distintivo do cristão fiel. Importa compreendê-lo e saber gerir o seu potencial de energias que nos humanizam. A partir desta convicção, quantas pessoas não fizeram um percurso de aprofundamento no seu mundo interior e relacional, na descoberta e valorização das capacidades, no aproveitamento do tempo e na auto-estima, no voluntariado de todos os tipos e na entrega a Deus, no serviço humilde das famílias e comunidades?! A humanidade, inclusivamente o património literário, artístico e cultural, fica mais rica com a sabedoria apreendida no sofrimento e expressa nas mais diversas formas históricas.
A cruz da vida faz parte da nossa condição humana. Querer evitá-la a todo o custo é pretender o impossível e renunciar a ser pessoa no desabrochar das suas potencialidades. Tantas árvores ficam raquíticas porque não tiveram um vento temperado que as fustigasse para lançarem raízes profundas, engrossarem o tronco e expandirem a ramagem!
Há sofrimentos que representam a medida de uma vida verdadeiramente humana; constituem o companheiro incómodo do nosso caminhar. Há cruzes que surgem também quando damos as mãos em acções e projectos que pretendem defender a vida e promover a sua qualidade para todos.
Saber sofrer por uma causa justa é desafio de aprendizagem constante. A educação sem o realismo da vida não alcança o seu objectivo fundamental: ajudar a pessoa a ser pessoa em todas as dimensões. As técnicas estão ao serviço da pessoa integral. Quem quiser alcançá-lo, ainda que progressivamente, tem de aprender a sabedoria de gerir o peso inevitável da cruz e o avanço das ciências que tendem a suavizar ou eliminar a dor.
Uma certeza acompanha os seres humanos, discípulos de Jesus: A pessoa amadurece na medida em que sabe renunciar à satisfação imediata e caprichosa dos seus desejos e impulsos, em benefício de valores que dão sentido nobre a um projecto de vida, coerente e solidário.