Crónica semanal de Anselmo Borges
no DN de hoje
Antes do Concílio Vaticano II, o papa despachava com o secretário de Estado, cardeal, de joelhos diante dele. Nessa altura, o povo católico ainda via no papa uma espécie de Vice-Deus na terra ou, pelo menos, o seu Plenipotenciário. Juridicamente, ainda hoje é um monarca absoluto. Confesso que não foi indiferente para mim ter sido recebido por João Paulo II nos seus aposentos privados, ter-lhe estendido respeitosamente a mão e, aí, dizer no mais íntimo de mim: é apenas um homem.
Afinal, donde vem a popularidade estrondosa do Papa Francisco senão da sua humanidade, no sentido mais puro e são do termo? Nestes tempos em que o mundo está a ficar um lugar cada vez mais perigoso, de que precisa a humanidade senão de alguém profundamente humano, a dar-lhe humanidade, alento, confiança, esperança? Francisco interessa-se genuína e cordialmente pelo bem-estar de todos. Já esta semana chorou por causa do despejo num prédio em Buenos Aires de famílias pobres, em vulnerabilidade extrema: "A tua frase final conseguiu sintetizar os meus sentimentos: "Parecia Gaza"... e pus-me a chorar", escreveu Francisco.
Da sua humanidade faz parte dar entrevistas e conferências de imprensa. Deste modo, responde directamente, sem desmentidos nem comentários do Vaticano, às perguntas dos jornalistas. A última conferência de imprensa foi no avião, de regresso da Coreia do Sul, país onde ficou a sua mensagem de simplicidade e de que, pensando nos tigres económicos asiáticos, a economia tem de estar ao serviço da pessoa humana: esta é que tem de ser o seu centro e não a produtividade e o consumo.
Na conferência de imprensa, foi dizendo que quer ir à China; se possível, amanhã: "Nós respeitamos o povo chinês. A Igreja apenas pediu a liberdade para o seu ministério, mais nada." A próxima viagem será à Albânia: "Conseguiram formar um Governo de unidade nacional entre muçulmanos, ortodoxos, católicos" e pensa na "história da Albânia, o único dos países comunistas que na sua Constituição tinha o ateísmo prático", de tal modo que, "se ias à missa, era anticonstitucional". Como vive a sua imensa popularidade? "Procuro pensar nos meus pecados, nos meus erros, para não me subir a importância à cabeça, porque eu sei que isto durará como eu dois ou três anos, e depois... para a casa do Pai." Foi, pois, avisando que não será Papa até à morte, a situação de Papa emérito tornar-se-á "uma instituição". Consciente das ameaças ecológicas, está a preparar uma nova encíclica, consagrada à defesa da criação, "também da ecologia (há ecologia humana)". Aqui, associando, eu lembrei-me do que Denis de Rougemont disse a propósito da bomba atómica: "Estamos em vias de descobrir o que já se sabia há algum tempo, mas que nunca tínhamos compreendido muito bem, isto é, que a terra é redonda. Donde resulta, entre outras consequências, que se dispararmos para a frente com uma arma muito potente, receberemos o projéctil nas costas na próxima volta."
E toda a tragédia no Iraque e não só? "Estou disposto a ir ao Iraque." E que fazer? "Uma nação sozinha não pode julgar como se detém um agressor injusto", para isso há as Nações Unidas, "é aí que se deve discutir". Mas, perante a barbárie do terror em curso, "deter o agressor injusto é um direito que a humanidade tem".
Entretanto, a barbárie não pára. E esta semana o jornal italiano Il Tempo avisou que Francisco está na mira dos jihadistas do Estado Islâmico.