domingo, 13 de julho de 2014

QUE TROUXE DE NOVO O PAPA FRANCISCO (3)

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO

1. Segundo parece, a ladainha continua: as máfias de dentro e de fora das instituições religiosas não vão aceitar as contínuas provocações de Jorge Bergoglio. Agora, a propósito de uma entrevista bem-humorada, acusam-no de querer canonizar K. Marx e baptizar o comunismo [1]. O aviso está dado: ou ele muda ou não lhe invejem a sorte!
Creio que é mais interessante procurar entender porque continua a seduzir tanta gente tão diferente e a irritar os mesmos grupos por toda a parte.

Um livro de entrevistas ao bispo de Buenos Aires, publicado anos antes da sua eleição papal, merece atenção [2]. Não revela nem um herói nem um santo prefabricado. Foi aprendendo a ser “simples como as pombas e prudente como as serpentes”. Desarmante.

Ele não vem do mundo dos pobres. Foi vendo as consequências e as causas dos escandalosos contrastes sociais, num país cheio de riquezas. Levou tempo a descobrir as monstruosidades da repressão, os requintes das torturas aos presos, as mães dos milhares e milhares de desaparecidos, despejados no mar, etc.

Não se coloca fora daqueles – padres e bispos – que ainda demoraram mais a dar-se conta da urgência em participar na defesa dos direitos humanos e a desmascarar a colaboração de outros com governos criminosos e os seus métodos. Confessa: Eu tive dificuldade em ver, insisto, até que começaram a trazer-me pessoas e tive de esconder o primeiro. Não foi de repente que descobriu as razões pelas quais a Argentina “passou dos 4% de pobres, no princípio dos anos setenta, para mais de 50% durante a crise de 2001”.

Eu próprio estava, nessa data, a trabalhar na Argentina. Testemunhei as dimensões e as consequências da loucura e da irresponsabilidade política, financeira e económica por aquela situação.

Este Papa acabou por ir ver o sofrimento das diversas periferias de Buenos Aires e, por isso, só entende a Igreja em movimento de saída, para o meio dos explorados, seja onde for.

2. A Exortação Apostólica, A Alegria do Evangelho, da qual comecei a falar no passado Domingo, é um dos frutos maduros da progressiva conversão que lhe foi libertando o olhar e desinibindo a voz perante as questões chocantes da Igreja e da sociedade, a nível local e global.

Como Bispo de Roma – o serviço donde derivam todas as outras responsabilidades – não olha para a realidade de maneira neutra e asséptica como um sociólogo. Procura o discernimento evangélico que ajude as comunidades cristãs a desenvolver uma capacidade de cuidadosa atenção aos sinais dos tempos, consciente de que vivemos não apenas numa época de mudanças, mas numa mudança de época.

O texto mais citado do documento referido e que mais polémica tem gerado, é mesmo chocante: ”Assim como o mandamento não matar põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim também hoje devemos dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida para o lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social.

Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco sem saída.

O ser humano é considerado como um bem de consumo que se pode usar e deitar fora. É a promoção da cultura do descartável. Já não se trata de exploração e opressão, mas de uma realidade nova: com a exclusão, fere-se, na raíz, a pertença à sociedade: quem vive nas favelas, na periferia ou sem ppoder, já está fora. Os excluídos nem explorados são, mas resíduos, sobras” [3]. Esse é o facto. Quais são as causas?

3. O argentino tenta responder. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro, porque aceitamos, pacificamente, o seu domínio sobre nós e sobre as nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser humano.

Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro [4] encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial, que afecta as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios desequilíbrios e, sobretudo, a grave carência de uma orientação antropológica, que reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo [5].
Para desviar a atenção destas e de outras denúncias concretas, diz-se que já está tudo nos princípios da Doutrina Social da Igreja, que não deve descer muito ao concreto, porque a realidade está sempre a mudar. Quanto mais abstracta for, mais eterna se mantém. Também mais inútil.

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