Crónica de Maria Donzília Almeida
Paço d'Anha |
Apesar de Portugal ser um país de pequenas
dimensões, comparado com grandes metrópoles mundiais, reúne ainda assim, uma
diversidade paisagística notável.
Se compararmos a exuberância duma paisagem
minhota com a planura alentejana ou com o litoral escarpado da costa vicentina,
deparamos de imediato com enormes diferenças e peculiaridades.
Tive o privilégio, no meu périplo docente
de ir conhecendo um pouco dessa riqueza patrimonial e devo confessar que me
encantei com a paisagem minhota durante os quatro anos em que com ela me
imiscui.
Santoinho |
Tinha gravado na memória, as descrições pitorescas
dos nossos autores clássicos que me pintaram um Minho cheio de cor e sortilégio.
A par com os campos verdes de milho, correm pequenos regatos a lamber os seixos,
sob a proteção da vinha de enforcado. Muitas vezes localizada na bordadura dos
campos, é ainda hoje, um elemento preponderante na paisagem minhota. O famoso
vinho verde, produto único no mundo, é um verdadeiro ex-líbris regional.
A singular
paisagem humana tradicional, marcada pelas aldeias com construções em granito
ou pelas casas senhoriais, como marco histórico da nobreza de épocas passadas, é
outra dimensão frequentemente assumida na caracterização da região, juntamente
com a hospitalidade minhota, a riqueza da gastronomia e as vibrantes tradições,
festas e romarias.
Quem não tem
ainda na memória das papilas gustativas o sabor das papas de sarrabulho, os
rojões à moda do Minho, nos doces conventuais, as clarinhas de Fão... uma
panóplia de requintados acepipes que enriquecem e caracterizam a região
minhota. Os restaurantes locais que frequentei, à altura, fazem jus à reputação
alcançada.
A minha primeira incursão no Minho foi em
Esposende, ali no caminho para Viana do Castelo. Na altura, e dado que residia
no Porto, era a empresa de camionagem Avic que ligava as duas cidades.
No país, vivia-se o período pós revolução
de Abril, com a integração dos retornados das ex-colónias, que na zona de
Esposende tiveram uma grande expressão. Muitos dos nossos alunos referiam como
residência nos documentos escolares, Hotel do Pinhal, Ofir, Fão. Como a memória
me traz estas gratas recordações de tempos gloriosos! Sim, porque esses alunos
eram de um outro quilate. Coabitavam as raças, mestiça, branca e preta e um destes
ficou-me gravado... não só pela altura, mas principalmente pela sua
estatura humana e moral – Era o Lourenço, do 7.º ano, tão educado, tão cavalheiro
e tão bom aluno a Inglês. A escola tinha, ainda, poucos alunos e a mim,
foram-me atribuídas todas as turmas de 3º ciclo: 7.º, 8.º e 9.º, que ao todo não
excediam os 20 alunos. Belos tempos em que ensinar era um
prazer... ainda que a distância a percorrer fosse mais de 50 km .
Muita gente de Viana vinha ao Porto tratar de
assuntos vários e a camioneta enchia-se de gente de todas as condições sociais.
Um dia, quando o cobrador passava na coxia
do autocarro e interpelava uma mulher do povo sobre o destino da viagem, surgiu
uma resposta inesperada e bem elucidativa de uma época já remota.
— A senhora vai p’ra Anha?
— Não senhor! Eu ainda sou solteira!
Saltou a resposta espontânea e cheia de
indignação, seguida de gargalhada geral.
Com efeito, da pequena aldeia de Anha,
vinha muita gente do povo ao Porto e a lei do menor esforço aplicada, à língua,
resulta numa situação paradoxal.
É também nas imediações de Viana do Castelo,
apenas a 5 km ,
que fica a Quinta do Santoinho, um empreendimento turístico peculiar de
indiscutível originalidade, muito conhecido na região norte. Os seus arraiais
minhotos, com música tradicional, sardinhas assadas, fêveras, frango, broa e
vinho são a expressão da alegria e animação populares. Localiza-se na vila de
Darque, na margem esquerda do rio Lima, já com 35 anos de atividade. Para além
da componente turística, a Quinta de Santoinho é também um verdadeiro núcleo
museológico, como meio divulgador da cultura minhota. Há uma exposição
permanente de alfaias agrícolas, tanques, lagares, pias e figuras em granito,
de espigueiros, uma adega regional e ainda de antigas viaturas de transporte,
como autocarros, automóveis, uma locomotiva do século XIX, carruagens de 1.ª e
de 2.ª classe da CP, um coche do século XVII, carros de bois e de cavalos.
No ano de 1980, a empresa que
transportava os professores e alunos para as escolas da região ofereceu, no
final do ano letivo, uma entrada para o arraial minhoto a todos os docentes.
Foi, digamos assim, o prémio de assiduidade e da preferência dada aos
transportes coletivos da Avic.
Clarinhas |
Ao entardecer de um dia de verão, em julho,
via-se um mar de gente a desaguar no enorme recinto do Santoinho. Aí, a música,
o calor humano e a convivialidade eram regados pelo tintol que escorria
diretamente do pipo, enquanto as sardinhas e os pimentos fumegavam em enormes
grelhas. Tudo isto ao som da música de cariz folclórico, que a todos envolvia
num rodopio arrebatador.
Havia uma alegria genuína que emanava da
nossa juventude, na casa dos 30 anos e a promessa dumas férias, já à vista.
Tanta energia, naquelas rodas enormes onde toda a gente entrava, saltava e dava
largas à sua vitalidade. Era a minha primeira vez nesta confraternização e o
prenúncio de muitas que se seguiriam na minha longa caminhada docente.
06.06.2014