Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias de hoje
O primeiro obstáculo sou eu", disse o Papa Francisco, já no avião, de regresso ao Vaticano, depois da visita à Jordânia, à Palestina e a Israel. Estava a responder aos jornalistas, que lhe perguntaram pelos obstáculos na reforma da Cúria. Uma resposta com risos, mas também com ironia, pois ele sabe que o cardeal Maradiaga, que preside ao G8 cardinalício, disse recentemente, nos Estados Unidos, que há um cardeal muito conhecido que vai atirando ter sido "um erro" a eleição de Bergoglio e que há muitos, na Cúria e fora dela, que, ao perderem poder e privilégios, verrinam: "O que é que esse argentinozito pretende?"
Francisco, que, sem receios, dá conferências de imprensa, foi acrescentando que nomeou esse Conselho dos oito cardeais, precisamente para estudar o sistema do Vaticano e reformar a Cúria, sendo um dos pontos-chave o económico, exigindo-se honestidade e transparência no banco do Vaticano. Já se fecharam 1600 contas e o assunto dos 15 milhões relacionados com o cardeal Bertone está a ser investigado. "É inevitável que haja escândalos, porque somos humanos e todos pecadores"; por isso, "as reformas têm de ser contínuas".
Na conferência de imprensa, não se limitou, portanto, ao celibato dos padres, que foi o tema mais sensível para os media. Afinal, a Igreja Católica tem padres casados no rito oriental. E, uma vez que o celibato não é "um dogma de fé, a porta está sempre aberta" à reflexão. Aqui, digo eu: é necessário pôr termo à lei do celibato obrigatório, e é bem possível que, ainda neste pontificado, se veja a ordenação de homens casados.
Para a pedofilia, "tolerância zero", insistiu. Vai avisando que ela não é monopólio da Igreja, mas a ele interessa-lhe, antes de mais, a Igreja. Quem abusa de menores "atraiçoa o corpo do Senhor", cometendo um delito "gravíssimo". Apresenta uma comparação: "É como uma missa negra, por exemplo: tu tens de levar esta criança à santidade e leva-la a um problema que vai durar toda a vida." Por isso, não vai haver contemplações nem "privilégios": "Neste momento há três bispos que estão sob investigação."
Sobre os divorciados: "Não são estranhos", embora "muitas vezes sejam tratados como se o fossem". Quanto ao Sínodo sobre a família, em Outubro: não quer casuística. É preciso ir ao problema teológico-pastoral da família. Há "uma crise da família", sobre a qual é necessário reflectir: por exemplo, "os jovens não se querem casar ou não se casam, convivem".
A política foi outro tema inevitável. Há duas viagens programadas à Ásia. A primeira, à Coreia do Sul, depois ao Sri Lanka e às Filipinas - zona que teve o tsunami. Respondeu à questão da liberdade religiosa, referindo que a sua falta não é só em alguns países asiáticos. E há mesmo perseguição, concretamente aos cristãos, chegando-se à proibição de rezar juntos: "Hoje, se não me equivoco, há mais mártires do que nos primeiros tempos da Igreja."
Sobre a Europa diz que há uma palavra-chave: desemprego. E acusa: "Estamos num sistema económico múltiplo que coloca no centro o dinheiro, não a pessoa humana" e que, para equilibrar-se, toma medidas de descarte: "Descartam-se as crianças, como indicam os números de nascimentos na Europa; descartam-se os velhos, inclusive com situações de eutanásia oculta em muitos países"; descartam-se os jovens, com o desemprego, a geração dos "nem-nem": nem estudam nem trabalham, e "isto é gravíssimo".
Sobre o encontro de amanhã, no Vaticano, de Abbas e Peres: trata-se de um dia de oração juntos, sendo preciso "negociar com honestidade, fraternidade, muita confiança". Sobre Jerusalém, a Igreja Católica já estabeleceu a sua posição, a partir do ponto de vista religioso: "A capital das três religiões. Uma cidade santa, de paz, de religião." Aqui, lembro o facto de, no acordo das Nações Unidas em 1947, para lá dos dois Estados soberanos, constar "a internacionalização de Jerusalém sob a administração das Nações Unidas".
E o futuro de Francisco? Quando já não puder, resignará. É preciso habituar-se à nova instituição de Papas eméritos.