Editorial de José Tolentino de Mendonça
na ECCESIA
Durante muito tempo o desafio da renovação eclesial esteve centrado na necessidade de encontrar uma nova linguagem. Um dado era (e continua a ser) evidente: a linguagem habitual não só dos documentos, mas até da pregação da Igreja, já não é entendida pelos nossos contemporâneos. Podemos simplesmente cruzar os braços e denunciar a falta de uma formação cristã de base. Contudo, o desencontro entre a mensagem e os seus destinatários continua lá. E o “desencontro” não é só “ad extra”: dentro das nossas próprias comunidades contam-se pelos dedos os que resistem a uma leitura integral de um texto mais longo do magistério. Ora isso gera uma desarticulação e uma incomunicabilidade que só acentuam a fragmentação do corpo eclesial. Não funcionamos como arquipélagos, mas como desagregadas ilhas.
Este é certamente um dos aspectos em que o pontificado do Papa Francisco se tem revelado providencialmente inovador. Ele tem mostrado à Igreja no seu conjunto que é possível falar e ser entendido; que se pode anunciar o kerygma evangélico a um auditório diversificado, do ponto de vista humano e cultural, e cada um entendê-lo, de forma relevante, na sua própria língua; que a palavra serve para ensinar, mas também para consolar, comover e reconciliar; que a palavra ganha profundidade sempre que se torna simples e transparente; que a palavra que une razão e coração é aquela parabólica; que a linguagem que não se esquece é a que tem uma qualquer sonoridade maternal. Nesse sentido, é fundamental que o exemplo de Francisco inaugure e inspire, de facto, uma nova estação na forma como a Igreja se comunica. Mas para isso a própria Igreja é chamada a redescobrir-se ela própria em novas imagens. Os discursos do Papa estão repletos delas. Que a Igreja não é uma ONG. Que a Igreja não é uma mãe por correspondência. Que a nossa não é uma fé-laboratório com soluções prontas para tudo, mas uma fé-caminho. Que a Igreja é um hospital de campanha, disponível para as grandes feridas do coração humano.