Para reviver o passado, próximo ou mais afastado
“Memórias a Mil Vozes” é um livro com recordações de sete pessoas (Albertina Vaz, Conceição Cação, Dores Picado Topete, Fernanda Reigota, José Luís Vaz, Júlia Sardo e Maria Jorge) que delegaram em Ana e Miguel, as personagens à volta das quais as estórias se revelam, «como se de um filme se tratasse», a arte de os representar.
Este trabalho, que nasceu como projeto de um grupo assente na Escrita Criativa, guia os leitores, com poesia e muito sabor, numa caminhada que reflete «os últimos sessenta anos de um povo que atravessou o longo túnel de todos os esquecimentos e surge renovado e repleto duma esperança que quer preservar», como se lê na contracapa.
As estórias em boa hora registadas neste livro de 396 páginas, editado por Chiado Editora, conduzem os leitores a vivências comuns a muita gente de várias gerações e estratos sociais, sendo certo que predomina, no essencial, o povo da nossa terra e região, com alegrias e tristezas, lutas e desafios, sonhos concretizados ou adiados, projetos de um mundo melhor, ideal permanentemente de portas abertas a quem não se conforma com a dormência em que alguns vegetam por comodismo ou conformismo.
Os autores, da esquerda para a direita: Júlia Sardo, Dores Topete, Conceição Cação, José Luís Vaz, Maria Jorge, Albertina Vaz e Fernanda Reigota |
Da leitura que fizemos, meditada serenamente, queremos realçar que nos sentimos conduzidos aos tempos de férias da infância nas praias e em terras onde nunca fomos, e que nos sentámos à mesa e ao borralho da cozinha da avó onde não faltavam os petiscos que ainda perduram nas nossas memórias. Também gostámos de reviver o namorar e o casar de outras gerações, enquanto confirmámos que «os avós [ontem como hoje] desempenham um papel insubstituível na educação dos mais novos». Ainda percebemos a importância de conviver, «sempre fascinante», e reconhecemos como é bom chegar a casa, onde nos familiarizámos «com os passarinhos a espreitar no quintal».
No Prefácio, Hélia Santos frisa que, «Ao cristalizar as suas recordações individuais e familiares, organizando-as neste “arquivo” literário de memórias, os autores contribuem para a memória coletiva e cultural de um tempo». E diz mais: «As estórias da Ana e do Miguel transportam-nos numa experiência que muitos leitores irão reconhecer como sua, e que os próprios autores partilham “a mil vozes”. A alegria entusiástica e a voracidade com que cada capítulo é contado, comprovam que “a memória é uma criança que se deixa contagiar pela alegria de recordar”.»
Em Nota de Abertura, o leitor fica a saber que o grupo se constituiu há um ano, referindo-se que «Quase ninguém se conhecia». Contudo, barreiras foram vencidas e o gosto pela escrita dos sete autores, nos quais se inclui a animadora, Fernanda Reigota, levou-os «à partilha da palavra que era de cada um, mas se dava a todos, em textos que surpreendiam pela revelação do outro».
Como sugestão, podemos adiantar que a importância deste livro não está só nas memórias partilhadas pelo grupo de Escrita Criativa, mas ainda nas recordações que decerto ressurgirão em cada leitor. Sentimos, pois, que, a cada estória nele contada, outras hão de brotar na nossa memória, levando-nos, indubitavelmente, a reviver o passado, próximo ou mais afastado.
O sentido de solidariedade está bem patente na declaração inscrita na contracapa, onde se diz que os direitos de autor revertem para a Cáritas Portuguesa.
Fernando Martins