Ontem foi dia de irmos ao cemitério de Pardilhó, terra natal da Lita, para falarmos com os nossos familiares que ali dormem o sono sem fim. Crentes que somos, não podíamos deixar de rezar por eles e de com eles conversar sobre tantas vivências em comum, com os nossos filhos a colherem a ternura que deles dimanava de cada gesto e sorriso. Ainda hoje, quando à baila vêm recordações que jamais nos abandonam, sabem imitar e repetir palavras e atitudes de bem que nos perpetuam no tempo presente e para além dele.
Era o Dia de Todos os Santos, que desde menino me habituei a celebrar, com a ajuda de minha mãe que me ia introduzindo nos caminhos da fé. Os homens entenderam suprimir este feriado, dando primazia a outros. Foi pena.
Em Pardilhó, com naturais e descendentes residentes em muitos lados, sobretudo em Lisboa e à sua volta, chegou a celebrar-se o Dia dos Defuntos, 2 de novembro, no domingo seguinte, para que os migrantes pudessem deslocar-se à sua terra de origem, atraídos pelas memórias de quantos estavam no cemitério. O culto católico, com flores e velas a traduzirem amor e saudade, aconchegava toda a gente. Mas sinto que os tempos são outros e que as novas gerações já não conseguem seguir esta tradição carregada de devoção.
Hoje fomos ao cemitério da Gafanha da Nazaré. Os mesmos sentimentos, os mesmos rituais. O ramo de flores, ornamentado com cuidado, com o carinho que nunca será suficiente para o muito que devemos a quem já partiu, fisicamente, vai ser renovado com a frequência possível. As orações, essas serão diárias para nos sentirmos profundamente ligados a quem está, e serão todos, no regaço maternal de Deus.
Deambulámos por alguns arruamentos do cemitério, como quem anda a visitar amigos nas ruas da nossa terra. Tanta gente que conhecemos e que hoje veio até nós. Uns que morreram velhinhos, outros na meia idade, outros muito jovens. Nas suas campas com nomes, retratos e mensagens que os vivos lhes dedicaram, histórias que saltaram até ao presente para nos dizerem que estamos vivos e saudosos.
Rezámos por todos, na convicção de que muitos não terão quem reze por eles. Nem todos são crentes; mas todos cultivam sonhos, dúvidas e certezas de eternidade.
Fernando Martins