Georgino Rocha |
Esta declaração e petição surge na parábola de Jesus narrada no fim da sua viagem para Jerusalém. É feita por um publicano, homem malvisto pelo povo devido à sua profissão de cobrador de impostos. Brota de um coração humilde e confiante em Deus compassivo e misericordioso. Fica na memória dos discípulos de Jesus como referência fundamental para quem quer reconhecer-se no seu ser mais autêntico e profundo. Entra na liturgia e é rezada com frequência no início da celebração eucarística/missa. E, com verdade, pode ser repetida muitas vezes por quem for honesto e leal consigo mesmo.
Jesus propõe a parábola para confrontar dois modos de nos relacionarmos com Deus retratados nas atitudes do fariseu e do publicano, as duas “classes” mais expressivas para os ouvintes. O fariseu representa a ortodoxia legal, fiel cumpridor (até com requinte) dos seus deveres, autossatisfeito na sua “burguesia espiritual”, displicente em relação aos demais porque não eram como ele. Apresenta-se cheio de méritos (pensa no íntimo do seu coração), relata tudo o que faz e espera ser reconhecido por Deus. Vive confiante no êxito da cobrança que a sua oração evidencia. Por isso, mantém-se de pé, rosto erguido, em lugar destacado. Bom retrato também para o nosso tempo, ufano de si mesmo e dos seus êxitos.
O publicano fica à distância, não ousa ultrapassar a entrada, bate no peito, prostra-se no chão, mantém o olhar de penitente e exclama: “Meu Deus, tende compaixão de mim que sou pecador”. É toda a sua oração. Não explicita mais nada, nem cede às aparências. A lista dos seus pecados fica no silêncio do coração humilhado e contrito. Nem sequer ergue os olhos ao Céu.
A atitude do publicano é elogiada por Jesus. Não se compara com ninguém. Apenas se revê no espelho de Deus e dá conta de quão desfigurada está a sua dignidade original. Toma consciência da gravidade do seu pecado. Mostra a intensidade do seu desejo de ser perdoado. Quer recuperar a sintonia com o ritmo do pulsar de Deus. Espera confiante no amor misericordioso que é sempre maior do que os seus/nossos pecados.
A parábola, ao confrontar estas duas atitudes, evidencia a que Deus cada um se referia: o deus legalista, severo, justiceiro, juiz de acções e omissões, parcial e vulnerável a méritos adquiridos ou mesmo cobrados; ou o Deus terno e misericordioso para com as pessoas que se reconhecem na sua dignidade ferida e lhe suplicam amor e perdão; o Deus atento e compassivo, pronto para a benevolência e lento para a recriminação face a toda a espécie de prevaricações pois conhece bem “barro” de que somos feitos e quer mostrar-se até nas nossas debilidades.
A segurança espiritual está neste Deus amor e não em nós mesmos e nas nossas acções. O perdão é para todos e não apenas para uma elite aristocrática que colecciona méritos. Ser pessoa de Deus não é falar do divino com eloquência, mas cuidar bem do humano, com dedicação abnegada. E há tanto que fazer tal o clamor dos empobrecidos e vulneráveis, confiados por Deus à nossa solicitude diligente e ao nosso empenho constante por uma sociedade humanizada e por uma Igreja mais próxima e acolhedora.
Georgino Rocha