Um texto póstumo de Ângelo Ribau
No Outono
Tinha terminado a safra da marinha. Agora havia que terminar as colheitas. O feijão já estava nas caixas, seco e preparado para ser consumido até à próxima colheita, no ano seguinte. Havia agora que colher o resto do milho, que começava a aloirar nas terras. As suas canoilas grossas eram difíceis de cortar com a foicinha. Era necessário aplicar muita força para executar o serviço!
Apanhado, era carregado para a eira, onde era desmantado e as espigas postas a secar. Secas, estas eram debulhadas a malho como antigamente, ou mais recentemente, com debulhadora mecânica, alugada para o efeito.
Feito isto, o grão era posto a secar na eira, onde depois de seco era erguido numa máquina (o erguedor) e voltava novamente para a eira para que ficasse devidamente seco e pudesse ser armazenado sem qualquer humidade. Caso assim não fosse, havia o perigo de o grão com a humidade aquecer e “queimar”.
Se durante a seca havia sinais de chuva, logo os “toldes” (cobertura feita com palha de centeio, que fazia lembrar as coberturas existentes nas casas das sanzalas Africanas) eram postos sobre o milho que se havia juntado para o centro da eira (por ser a parte mais alta) em forma do telhado de uma casa. Não havia chuva que entrasse.
O modo como o lavrador sabia se o grão estava pronto a armazenar, era trinca-lo. Se o meio estivesse bem seco era sinal de que poderia ser armazenado sem perigo!
Agora recordo que uma vez, em vésperas da festa da Nossa Senhora dos Navegantes, o meu pai nos ter avisado:
— Amanhã ninguém vai à festa. Temos o milho apanhado na “Terra do Golaima” e temos de o ir buscar, porque o tempo está “ousado” a dar chuva!
Engolimos em seco. Perder aquela festa é que não podia ser! Combinámos então nós, os quatro irmãos, que tínhamos de ir à festa. E, pela calada da noite, tirámos os bois do curral, pusemo-los ao carro, e saímos de casa silenciosamente, rumo à Terra do Golaima. Quando lá chegamos já se viam os primeiros alvores da madrugada. Já víamos para trabalhar!
Toca a andar, que se faz tarde. O mais velho, que era artista nesse serviço, em cima da carrada, a arrumar o milho que os outros lhe atiravam às gabelas. Era um desaforo a trabalhar! Mas cuidado, o milho era muito e tinha de ser todo levado numa carrada. Era preciso arruma-lo bem! Findo o serviço, foi tudo muito bem amarrado com o “adibal”. Agora era rumar a casa, mas devagar, não fosse a carrada de milho desmoronar, e termos de repetir o serviço…
Chegados a casa, os bois foram tirados do carro e este posto ao pino. Era o processo mais rápido de o descarregar. O sol já se levantava por trás das serras. Ia nascer o dia. Agora era meter os bois no curral e dar-lhe uma gabela de palha, que bem a mereciam. Amarrados à manjedoura, foi-lhes servida a primeira refeição do dia. Mas, ao sair do curral, aparece-nos o nosso pai a indagar:
— O que é que estão vocês aí a fazer?
Contámos-lhe o sucedido e ele foi ver a carrada de milho já descarregada.
— Vocês não têm juízo. A andar com o gado por aí de noite! Vocês nem deixam descansar os animais! Vocês dão-me cabo dos bois…
Ele tinha que ralhar. Tinha que dizer alguma coisa. Ficar calado não era do seu feitio… E como não tinha agora razão para não nos deixar ir à festa… Mas nós nada dissemos, bico calado! O melhor, quando ele estava assim, era nem abrir a boca.
E lá fomos nesse dia à festa. A nossa mãe, antes de partirmos recomendou-nos:
— Cuidado com o trânsito. É por causa disso que o vosso pai não vos queria deixar ir à festa. Ele tinha “medo” por causa do trânsito…
Fomos para a festa, pelo meio daquele trânsito todo, e regressámos à noitinha, sem ter havido qualquer problema. Ir à festa de noite, ir “ao fogo” era impensável…
— Ainda são muito novos para andarem por aí de noite sozinhos — era a resposta. Invariavelmente!
Mas já não interessava. O nosso plano tinha resultado e o fogo de lágrimas vimo-lo do aido. Pena foi o fogo de água que era na altura o mais bonito, mas que da nossa casa não se via bem! Não se pode ter tudo de uma vez, pensámos!
Foi feita a colheita do milho.
Agora havia que preparar as terras para a sementeira das ervas que durante o Inverno iriam alimentar o gado. Os terrenos teriam de estar devidamente preparados para, com as primeiras chuvas, as sementes serem lançadas à terra.