A vida decorria, sem sobressaltos, ali, na Quinta do Briol. O “sultão” AlGalarós dominava, na hierarquia dos sete galináceos, arrastando a asa e controlando as suas (apenas!) seis concubinas.
Era um regalo olhar para o espaço ensolarado e contemplar o macho imponente no seu traje vistoso de penas listradas de cetim branco e cinzento, cacarejar em chamamento das companheiras dispersas pelo pinhal. Estas acorriam, ao apelo cantante do “senhor” que encontrara algum verme e queria partilhá-lo com as fêmeas. Tê-las sempre debaixo de olho e sob controlo apertado, era o grande objetivo do galo apavonado!
Cumpria-se a velha e já ultrapassada (!) filosofia, “Onde há galos, não cantam galinhas” e tudo corria ao som da trombeta, isto é, da voz do chefe.
Dori(n)da |
- Abaixo a ditadura! Fora a tirania! Derrubemos a prepotência! Seriam estas as ideias revolucionárias, em embrião, talvez do tamanho dum grão de milho, que começavam a ganhar forma, no cérebro minúsculo da meia dúzia de galinhas.
Estas e outras maquinações iam progredindo, na surdina, sem que a dona se apercebesse dos conflitos existentes ali, ao lado de casa.
Galinhas e couval
Um belo dia, quando abria a porta da Quinta do Briol, para seu grande espanto, depara com este espetáculo dramático – uma galinha, prostrada junto ao pinheirinho de entrada, apresentava um olhar vítreo e a cabeça pendente do pescoço. A dona teve um baque. Sempre gostou de ver estas aves a esgaravatar, a pôr ovos, a conviver pacificamente, com ALGalarós. Ainda, no dia anterior, assim se passara. Apressou-se a verificar a causa deste estranho comportamento. Aí...após ter observado a chaga viva em que se encontrava o dorso da Dori(n)da, (todas as concubinas têm nomes começados por D, (Débora, Degolada, Delfina, Deolinda, Dores e Dorinda) lançou imprecações ao galo e vaticinou, ali, a sua sentença de morte. Planeou, de imediato a contratação do algoz, mas como a criatura, talhada para o efeito, gozava de férias, na altura, adiou a execução e pôs mãos à obra, para recuperar a desgraçada Dori(n)da. Retirou-a da presença do “sultão” e recolheu-a na enfermaria, que funciona também como dormitório das aspirantes a poedeiras, noutra dependência mais afastada.
Posta a salvo, ficou em convalescença, tendo-lhe sido fornecido o alimento diretamente na boca, digo bico e como o reflexo de engolir ainda persistia, a pobre criatura quase exangue... ia deglutindo. Foi preciso injetar-lhe água para impedir a desidratação e assim foi feito com a ajuda duma seringa.
Os conhecimentos de enfermagem, aquiridos ad hoc, revelaram-se de extrema utilidade. Ficou de quarentena, na enfermaria, durante uma semana, no fim da qual já comia por sua mão, digo bico e manquejava duma perna, digo pata.
Foi a Dori(n)da a a mais feminista das galinhas, que cansada das sevícias do tirano e manipulador AlGalarós, resolveu enfrentá-lo e recusar-se a baixar a cerviz, perante as suas investidas. Quase lhe ia custando a vida, não fosse a prontidão, da dona, ter sido uma sucursal da APAV, em ambiente doméstico!
Hoje, sem a tirania do AlGalarós, a Dori(n)da já/ainda coxeia, à vontade, na Quinta do Briol, para onde foi levada na companhia das suas colegas adolescentes. Aqui, estas ainda foram bicadas pelas favoritas do “sultão” que durante muito tempo lhes dispensou todas as mordomias. Adquiriram estatuto de companheiras residentes e acham-se no direito de escorraçar as franguinhas que vieram do infantário, digo galinhário.
Um dia, já crescidinhas, todas hão-de pôr ovinhos frescos que darão uns suculentos doces e outras sobremesas de lamber a beiça.
Ficou mais que comprovado que os ditadores/tiranos não têm lugar na Quinta do Briol.
O slogan “Abaixo a violência doméstica!” de tão divulgado que foi, conseguiu que o antigo tirano... fosse desta p’ra melhor!
Mª Donzília Almeida
29.07.2013