O que pensa Francisco 1. sobre Deus
«Assim, Deus encontra-se numa experiência de caminho: "Na experiência pessoal de Deus, não posso prescindir do caminho." Trata-se de uma experiência dinâmica, de procura por diversos caminhos: "o da dor, o da alegria, o da luz, o da escuridão." O homem actual tem dificuldade em encontrá-lO, porque anda disperso. Diria, portanto, ao homem de hoje que "faça a experiência de entrar na sua intimidade para conhecer o rosto de Deus. O Deus vivo é o que ele vai ver com os seus olhos, dentro do seu coração".»
Anselmo Borges
Depois de gravíssimos e sucessivos escândalos, quando a Igreja ia perdendo a credibilidade, chegou o Papa Francisco e os seus gestos e palavras anunciam um pontificado de mudança, que move consciências e desperta horizontes novos de esperança, de e para a humanidade.
Líder planetário, de influência global, importa conhecer o seu pensamento. O que pensa realmente Francisco, em temas fundamentais? Tentarei, ao longo dos próximos sábados, apoiando-me sobretudo na obra Sobre o Céu e a Terra, na qual dialoga com o rabino A. Skorka, publicada pela Clube do Autor, responder a esta pergunta essencial.
O cardeal Bergoglio, actual Papa Francisco, segue mais uma teologia narrativa do que uma teologia dogmática. Esta situa-se numa linha mais grega e responde com dogmas enquanto aquela se situa num horizonte mais vivencial e responde sobretudo com categorias históricas: o que é que acontece, quando Deus está presente? Lembre-se o passo do Evangelho, quando os discípulos de João Baptista vão perguntar a Jesus se ele é o Messias e Jesus responde: Ide dizer a João o que ouvis e vedes: os coxos andam, os cegos vêem, o Reino de Deus está a concretizar-se.
Assim, Deus encontra-se numa experiência de caminho: "Na experiência pessoal de Deus, não posso prescindir do caminho." Trata-se de uma experiência dinâmica, de procura por diversos caminhos: "o da dor, o da alegria, o da luz, o da escuridão." O homem actual tem dificuldade em encontrá-lO, porque anda disperso. Diria, portanto, ao homem de hoje que "faça a experiência de entrar na sua intimidade para conhecer o rosto de Deus. O Deus vivo é o que ele vai ver com os seus olhos, dentro do seu coração".
Há uma experiência originária: a da dádiva. A criação é-nos dada e nós somos dados a nós mesmos. Temos uma tarefa: dominar a Terra. "Mas há um momento em que o homem se excede nessa tarefa, entusiasma-se em excesso e perde o respeito pela natureza", surgindo então os problemas ecológicos, que "são as novas formas de incultura". É preciso superar o síndroma de Babel, quando se verifica o exagero da tarefa, ignorando a dádiva. O construtivismo puro anda unido à confusão das línguas, isto é, à falta de diálogo, ao esquecimento do outro, à crispação, à desinformação, à agressão.
Percebe-se então que a oração não é a tentativa de "controlar Deus": "tratar-se-ia de um desvio, de um ritualismo excessivo ou de muitas atitudes de controlo." "Quando os actos litúrgicos se transformam em eventos sociais, perdem força": pense-se em certos casamentos e "no vestido - ou no despido". São pessoas que "não praticam qualquer acto religioso; vão apenas exibir-se". "Eu acredito que o mundano é narcisista, é consumista, é hedonista. O espírito da celebração litúrgica tem de assumir outro tom, ligado ao encontro com Deus". Na oração autêntica, há momentos de profundo silêncio reverente, a par do falar e do ouvir humilde.
A oração está unida à prática da justiça: "o acto que se concretiza com a ajuda ao próximo é oração. Caso contrário, cai no pecado da hipocrisia, que é como uma esquizofrenia da alma. Pode-se sofrer destes traços disfuncionais, se não tiver em conta que o Senhor existe no meu irmão, e que o meu irmão está a passar fome. Se uma pessoa não cuidar do seu irmão, não pode falar com o Pai do seu irmão, com Deus."
Não podemos definir Deus: podemos dizer o que Deus não é, podemos falar dos seus atributos, mas "não podemos dizer o que é". Sentimos que está presente, mas "não conseguimos controlá-lo". A fé não desfaz todas as trevas e dúvidas.
Com pessoas ateias, "partilho as questões humanas, mas não lhes apresento imediatamente o problema de Deus, excepto no caso de mo colocarem". "Não olho a relação com o ateu para fazer proselitismo, respeito-o e mostro-me como sou. Desde que haja conhecimento, surgem o apreço, o afecto e amizade. Não tenho qualquer tipo de reticências, não lhe digo que a sua vida está condenada, porque estou convencido de que não tenho o direito de fazer um juízo de valor sobre a honestidade dessa pessoa."