Seguidores ou simples admiradores?
«O Papa dá-nos também um exemplo eloquente de que não veio para destruir o que está feito e responde às urgências do Reino, nem para passar por cima de quem o fez ou promoveu, sejam os papas seus antecessores ou outros, como se com ele é que tudo, finalmente, estará bem. Já disse, de muitos modos, que, acima da sua pessoa, está o Senhor, o único a quem a Igreja tudo deve. O único a merecer aplausos, dentro ou fora dos templos. O único ao qual os crentes são chamados a seguir e a ser fiéis.»
D. António Marcelino
Toda a gente fala do Papa Francisco, todos se admiram e louvam os seus gestos evangélicos pela sua verdade e simplicidade. Ele prefere ter mais seguidores que admiradores, porque tudo quanto faz e diz não tem em mente a sua pessoa, mas Aquele a quem tudo é devido e o convidou ao seguimento. A fidelidade à sua missão evangelizadora, fundamentada no Evangelho, é o que pretende transmitir aos cristãos, com gestos e palavras que se entendam, mais gestos que palavras.
O Papa dá-nos também um exemplo eloquente de que não veio para destruir o que está feito e responde às urgências do Reino, nem para passar por cima de quem o fez ou promoveu, sejam os papas seus antecessores ou outros, como se com ele é que tudo, finalmente, estará bem. Já disse, de muitos modos, que, acima da sua pessoa, está o Senhor, o único a quem a Igreja tudo deve. O único a merecer aplausos, dentro ou fora dos templos. O único ao qual os crentes são chamados a seguir e a ser fiéis.
Neste seu modo de pensar e de agir, esteve a decisão de que as mensagens escritas por Bento XVI para o Dia das Migrações e para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, comemorados já com ele como Papa, fossem as escritas ainda pelo seu antecessor. E agora, num gesto ainda mais eloquente, anunciou que a próxima encíclica sobre a Fé seria escrita a quatro mãos, ou seja, já começada por Bento XVI e por ele continuada e concluída.
Com frequência, na Igreja, se passa por cima do que foi feito e perdura válido, e se esquece, ignora e, por vezes, se destrói a ação dos outros, para tudo se fazer de novo, como se a ação mais válida da Igreja não fosse fidelidade a uma Tradição que concretiza o projeto do Reino, planeado desde o início e que todos são chamados a construir. Na missão essencial da Igreja não existem projetos individuais. O plano está traçado e, por respeito ao seu Autor e ao Povo de Deus que nele colabora em comunhão com quem preside à comunidade, deve ser respeitado. Trata-se da mesma Obra que perdura no tempo, independentemente de quem foi chamado à sua realização. A Obra de Deus, na qual Cristo se empenhou por inteiro, é que acreditemos no Pai e no Filho por Ele enviado. Assim se concretiza o mandato de fazer como Ele, que não veio destruir, mas completar. Tudo nas comunidades eclesiais deve estar orientado como meio válido e sério em ordem a este fim. Não pode a ação da Igreja gastar em vão pessoas e meios, ou empenhar-se em obras que o tempo destrói. Com essas Deus não se compromete. É sempre uma página pobre da história da Igreja e das suas comunidades a que se escreve sem respeitar a obra feita com alicerces sólidos. Assim se provocam ruturas desnecessárias, se marginalizam pessoas empenhadas e experientes, em favor de outras, muitas vezes menos aptas e ainda pouco preparadas para presidir e orientar.
O Papa Francisco sabe, e já o disse, que tem de fazer reformas necessárias e urgentes na Igreja, e já começou por mostrar o seu compromisso profundo com o essencial, onde também se inclui o respeito pelas pessoas que, vindo de trás, amanhã podem mesmo ser substituídas. Os iconoclastas entram em cena para destruir. Um responsável eclesial consciente nunca é um iconoclasta. Na Igreja ninguém começa de novo, ninguém tem a última palavra. A obra do Evangelho, e o Evangelho é anterior à Igreja, está sempre em construção.
O povo cristão, protagonista principal da edificação do Reino no mundo, não pode estar sujeito a mudanças que não entende e a ver deitar por terra obras, nem sempre materiais, em que se empenhou, consciente do seu valor e do seu dever de colaboração. O Vaticano II foi um projeto de mudança, refletida e assumida. Quem dele não entendeu o essencial não dá tempo ao tempo e constrói esquecendo o já construído. Assim se atrasa a renovação desejada, se gera desconfiança das orientações conciliares e não raro se provocam inércias e desvios lamentáveis. A Igreja não vive de tradições ou costumes, sonhos ou fantasias, por belos que sejam. Ela mesma é tradição, por fidelidade à Tradição que a inspira e lhe dá rumo e vida.
António Marcelino