sábado, 27 de julho de 2013

O saber para agir e viver

Os três estádios da existência 
e o combate da fé

Sören Kierkegaard


«A fé e o amor são levados ao paroxismo. Luterano, foi crítico ácido da Igreja oficial dinamarquesa: "Na sumptuosa catedral, eis que aparece o Reverendíssimo e Venerabilíssimo pregador da Corte, o eleito do grande mundo, e aparece perante um círculo de uma elite e prega com emoção sobre este texto que ele mesmo escolheu: "Deus escolheu o que é humilde e desprezado no mundo" - e ninguém se põe a rir." Mas, já à beira da morte, foi-lhe perguntado se acreditava em Jesus Cristo. E ele (cito de cor): "Sim. Em quem haveria de acreditar nesta hora?"»

Anselmo Borges

Deixou uma obra filosófica importante, um dos fundamentos das posteriores filosofias da existência - é dele o adjectivo "existencial". Refiro-me a Sören Kierkegaard, cujo segundo centenário se celebra este ano - nasceu em Copenhaga em 1813. O que lhe interessava não era o saber na sua pureza teórica, mas como agir e viver. Escreveu: "O que no fundo me falta é ver claro em mim mesmo, saber o que hei-de fazer e não o que hei-de conhecer, excepto na medida em que o conhecimento deve preceder a acção. Trata-se de compreender o meu destino, descobrir aquilo que Deus no fundo quer de mim, encontrar uma verdade que seja tal para mim, encontrar a ideia pela qual possa viver e morrer." Contra Hegel, cujo eco ouviu em Berlim, argumentou que não há um sistema da existência e do indivíduo. Ora, o decisivo é o indivíduo e a sua interioridade, a liberdade, a possibilidade, a angústia, o desespero, a salvação, numa decisão intransferível. Como dirá Unamuno, "eu sou único e não há outro eu no mundo", como também não há outro tu ou outro ele/ela. É célebre a sua definição da existência humana como "uma relação que se relaciona consigo mesma ou, por outras palavras, como o que na relação faz com que a relação se relacione consigo mesma". É decisiva esta auto-referência, que é, inevitavelmente, hetero-referente. De facto, "uma relação que se relaciona consigo mesma - portanto, um eu -, tem que ter-se posto a si mesma ou ter sido posta por outro". Ora, a existência humana não se põe a si mesma e, por isso, a auto-relação é, necessariamente, relação a outro, o autor da relação, Deus, numa relação única de "comunicação existencial". A existência está colocada perante três possibilidades fundamentais, a que chamou "estádios", não no sentido cronológico e lógico de passagem sucessiva de um a outro, mas de atitudes ou modos de existência. Seja como for, a passagem de um a outro não se dá dialecticamente, mas por um "salto" que transforma radicalmente a existência. O estádio estético (do grego aisthesis, sensação, sensibilidade) tem a sua figura no Don Juan e caracteriza-se pela busca saltitante do gozo imediato das sensações, no instante fugidio da conquista, de prazer em prazer. Esta via da repetição hedonista desemboca no sentimento de frustração e melancolia e pode levar ao desespero. Pode dar-se então o salto para o estádio ético, empenhando a liberdade própria e assumindo a seriedade da existência, no cumprimento do dever e da responsabilidade, concretamente na relação estável e fiel com o outro no casamento. Mas, aqui, o indivíduo ainda está sob a lei geral. Só no estádio religioso o indivíduo se encontra verdadeiramente a si próprio e à sua singularidade no "abandono mais absoluto" a Deus, o totalmente Outro. O religioso é "o sério, e o sério é: o único". "Tornar-se cristão é a coisa mais decisiva que um homem pode tornar-se", pois resolve o seu "paradoxo": no tempo, decidir e encontrar a eternidade. A fé tem o seu modelo em Abraão a quem Deus mandou sacrificar o filho. Segundo a exegese, o que o texto diz é que Deus põe termo aos sacrifícios humanos. Aliás, Kant, confrontado com o tema, escreveu que Abraão deveria ter dito a Deus que não era seguro que a voz que ouvia fosse de Deus, mas era certo que não devia matar. Kierkegaard, porém, coloca-se noutro plano: o do combate da fé, numa luta de vida e de morte com Deus. Deus põe à prova a fé de Abraão e o seu amor, quer ver se realmente O ama. Abraão, por sua vez, põe também Deus à prova: dispõe-se a matar o filho, mas, se Deus não intervier, só pode tornar-se ateu. Deus interveio. A fé e o amor são levados ao paroxismo. Luterano, foi crítico ácido da Igreja oficial dinamarquesa: "Na sumptuosa catedral, eis que aparece o Reverendíssimo e Venerabilíssimo pregador da Corte, o eleito do grande mundo, e aparece perante um círculo de uma elite e prega com emoção sobre este texto que ele mesmo escolheu: "Deus escolheu o que é humilde e desprezado no mundo" - e ninguém se põe a rir." Mas, já à beira da morte, foi-lhe perguntado se acreditava em Jesus Cristo. E ele (cito de cor): "Sim. Em quem haveria de acreditar nesta hora?"

Anselmo Borges

Li aqui

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue