«Há um verbo latino muito rico: mederi. É importante, porque dá origem a três palavras fundamentais para a nossa necessidade mais urgente: meditação, medicina, moderação. Precisamos de parar e meditar e viver mais moderadamente (todos, não apenas os pobres). Quanto à medicina, ninguém conhece exactamente o remédio, mas ele passa também pela convocação de representantes das forças mais dinâmicas e estruturantes do país - Universidade, partidos, patronato, sindicatos, média, Igreja -, no sentido de um estudo que comunique, sem mentira, a situação real do país, e de um consenso mínimo quanto ao essencial, para salvar o futuro de um país que caminha para o precipício.»
Anselmo Borges
Absurdistão será o reino do absurdo - do latim, por contaminação, de ab-sonus (que não soa bem) e surdus (surdo, que não percebe), ab-surdus: etimologicamente, absurdo é, pois, o dissonante, e, depois, o contra-senso. Num Dicionário de Filosofia, poderá encontrar-se esta definição: a destruição de uma relação normal ou lógica que se esperava entre as coisas ou entre si e o mundo. A situação portuguesa é, neste nosso tempo, assim: surreal, que não se entende, com um futuro incerto e perigoso.
Pergunta-se, por exemplo, quando e como se vai pagar uma dívida de mais de 200 mil milhões de euros, com juros anuais de mais de 7, 5 mil milhões de euros. Mas há aquele velho e tremendíssimo debate entre os atenienses e os mélios, para o qual já chamei aqui a atenção, onde se mostra a terrível lei do mais forte: os mais fortes, neste momento, são os credores - numa situação de protectorado. À beira da bancarrota, chegou a esfola, com impostos sobre impostos, de tal maneira que, a partir de um certo limiar, a receita pode ser menor, porque as empresas fecham e o desemprego cresce. Mas há quem queira austeridade sem austeridade. Ah, e a fuga de capitais! E a corrupção a medrar, também na cumplicidade de política e negócios. E a economia paralela. E a Justiça que não funciona. E o desemprego a caminho de um milhão - quando se fala em desempregado, é preciso entender alguém que não tem trabalho, portanto, que não produz, que não contribui com impostos, que, pelo contrário, vai buscar apoio à segurança social, que pode deprimir... E, pela primeira vez, desde que me conheço, se, antes, se investia pessoalmente e amanhã a vida havia de ser melhor, agora reina o pessimismo do pior. O pior é mesmo isso: perdeu--se a esperança, a confiança, não se acredita, não há crédito. Para todos? Não, pois os muito ricos são-no cada vez mais. E os portugueses são uma "espécie em vias de extinção": temos uma das mais baixas taxas de natalidade do mundo, com a consequência, entre outras, de 1,5 de pessoas activas por cada pensionista. E todos gritam, e bem, por crescimento económico, mas há sempre alguém que, também com razão, pergunta: e quem investe e com o dinheiro de quem?
Pergunta-se como foi possível chegar aqui. Fica-se atordoado, quando se pensa nisso.
Lembro, um pouco a esmo, razões. Não há dúvida de que, seja como for, ao longo dos últimos 25 anos de integração europeia, o país evoluiu bastante. Mas quem duvida de que os 81 mil milhões de euros chegados da Europa poderiam e deveriam frequentemente seguir um rumo outro, em ordem a um desenvolvimento racional e sustentável? Criou-se então aquela mentalidade de falsos ricos, que gastam na irrazão. Ainda me lembro de reformados aos 45-50 anos. E das tais viagens a crédito para Cancún. E da criação de instituições de ensino superior sem critério e qualidade, prejudicando o país por décadas e levando à ilusão de um saber que não há e envenenando o sistema. E criou-se o vício da subsídio-dependência e do encosto ao Estado, que devia ser de providência, mas que cada vez menos o será, já que não teve previdência. E o número de funcionários cresceu e também o das empresas municipais e as PPP... Governou-se para ganhar eleições, perdido o sentido de Estado. O pacto entre a classe política e o povo faliu e agora 87% já não confiam muito na democracia.
Há um verbo latino muito rico: mederi. É importante, porque dá origem a três palavras fundamentais para a nossa necessidade mais urgente: meditação, medicina, moderação. Precisamos de parar e meditar e viver mais moderadamente (todos, não apenas os pobres). Quanto à medicina, ninguém conhece exactamente o remédio, mas ele passa também pela convocação de representantes das forças mais dinâmicas e estruturantes do país - Universidade, partidos, patronato, sindicatos, média, Igreja -, no sentido de um estudo que comunique, sem mentira, a situação real do país, e de um consenso mínimo quanto ao essencial, para salvar o futuro de um país que caminha para o precipício.