sábado, 8 de junho de 2013

Gente na cidade


JOVEM, LEVANTA-TE



«A narrativa de Lucas espelha na figura dos intervenientes no episódio de Naim o reflexo de tantas situações da humanidade: Viúvas de maridos vivos, jovens na flor da idade em cortejos de morte lenta, gente perdida na cidade e indiferente ao que vai acontecendo, multidões compadecidas e solidárias que se mantêm na expectativa de que algo pode acontecer.»

Georgino Rocha


Esta ordem é dada por Jesus a um jovem defunto que ia ser sepultado. Aconteceu em Naim, terra das delícias. Ao entrar na cidade, duas multidões se encontram: a do cortejo fúnebre a caminho do cemitério e a dos acompanhantes de Jesus. A ordem dada é imperiosa e tem efeitos imediatos. O jovem senta-se e começa a falar. Um coro de vozes se ergue perante a maravilha realizada à vista de todos: Deus visitou o seu povo, enviou-nos um grande profeta. As multidões aclamam com entusiasmo e a fama de Jesus espalha-se pelas regiões vizinhas. Chega, segundo a narrativa de Lucas, aos ouvidos de João Baptista que fica intrigado e resolve enviar dois discípulos a averiguar a verdade dos factos e de quem os provocava.

Também nós somos convidados a cultivar a verdade dos factos, a saber quem lhes dá origem, a descobrir e assumir o sentido que comportam. Não se pode viver de boatos ainda que bem-intencionados, nem de meias verdades ainda que altamente positivas. Só o realismo sadio e a ousadia confiante dão consistência às razões de viver e abrem no presente caminhos de futuro.

O episódio de Naim prefigura, de algum modo, a cena do Calvário. O jovem morto que vai a sepultar pode simbolizar o enterro de Jesus. O ergue-te reproduzirá o gesto pascal da manhã da ressurreição. A entrega à mãe faz lembrar o que acontece junto à cruz e, depois, no túmulo de José de Arimateia. A verdade é reconhecida, apesar dos boatos surgidos. Os discípulos ficam admirados e ganham um novo alento. A multidão aclama a vitória da vida sobre a morte, da esperança contagiante sobre a dúvida persistente que semeia o abatimento e lança o desespero.

Jesus olha para a mãe, capta o drama da sua situação – viúva que perde o filho, seu único arrimo e garantia de futuro -, condói-se interiormente, aproxima-se e diz-lhe: “não chores”. Parece um conselho estranho, uma exortação descabida. No entanto, é a forma de estabelecer a relação de proximidade e de verificar a anuência confiante da mãe do jovem. Por isso, prossegue a sua acção curativa: toca no caixão, faz com que o cortejo pare e, perante o olhar atento de todos, diz a palavra de intimação benevolente: “Jovem, eu te ordeno: Levanta-te”.

A narrativa de Lucas espelha na figura dos intervenientes no episódio de Naim o reflexo de tantas situações da humanidade: Viúvas de maridos vivos, jovens na flor da idade em cortejos de morte lenta, gente perdida na cidade e indiferente ao que vai acontecendo, multidões compadecidas e solidárias que se mantêm na expectativa de que algo pode acontecer. E Jesus surge como o Senhor da vida, o grande profeta enviado por Deus para bem do seu povo, o sanador das feridas humanas, o anunciador de uma nova situação/criação que será definitiva, mas lança raízes fecundas já no presente com a nossa colaboração.                  

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