24 de junho de 2013
Eu te rogo, S. João
A vida desta nação
Para o povo é um inferno!
Quem alguma vez trabalhou na “Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto♥, já teve o privilégio de assistir a uma das maiores manifestações populares de confraternização, sob a égide dum santo da igreja católica. O S. João do Porto é a mais genuína e mobilizadora festa de verão que congrega um mar de gente e a que alguma vez assisti.
Nesta noitada, o povo irrompe na baixa, esquece as suas mágoas e engrossa a multidão que vai desaguar às Fontainhas.
“Quem vem e atravessa o rio...” na noite de S. João já sente o ar a rescender a sardinha assada. Por todo o lado, há fogareiros a preparar a rainha da festa, que acompanhada por pimentos, é um verdadeiro pitéu! De tão saborosa e gorda, quando chega a esta quadra dos santos populares, diz o povo, com razão, que “pinga no pão!”.
A degustação das sardinhas com um bom naco de broa, seguida do apreciado caldo verde com tora (chouriça) é a preparação física para a grande noite que se segue. Há tendas improvisadas em todo o lado, sendo que as Fontainhas são o verdadeiro berço do S. João. A música de arraial vai criando o ritmo e o compasso aos foliões que se vão juntando aos magotes.
Os balões de ar quente, feitos em papel, são outra das atrações que iluminam os céus, na noite de São João. Assisti e participei nesse espetáculo, com a minha prole e fui criança no meio delas.
As cascatas sanjoaninas, uma espécie de presépio animado, feitas com esculturas miniaturais que exemplificam as artes, ofícios e arquitetura portuenses, são outra componente da festa. Constituíam, nas escolas da área metropolitana do Porto, parte do programa de EVT (Educação Visual e Tecnológica) e, fruto do labor de alunos e professor, resultavam verdadeiras obras de arte artesanal. Guardo ainda, algumas peças, desses tempos áureos, para deleite e contemplação.
A festa concentra-se na zona histórica do Porto, com milhares de pessoas a percorrer as ruas, a ver o fogo de artifício lançado junto ao rio Douro, nas margens do Porto e de Vila Nova de Gaia.
Os mais jovens percorrem as zonas ribeirinhas, em direção à foz, terminando a noite nas praias, com um banho matinal, conforme manda a tradição. Este ano, com o verão arredio, não será tão confortável como de costume.
A parte mais pitoresca da festa é, para mim, sem dúvida o convívio intergeracional, que se estabelece no grande arraial noturno. Recordo, vivamente, os momentos de franca alegria e pura diversão nesse confluir de emoções e sentimentos. Para mim, repito, o momento apoteótico era a marcha compassada de todos os foliões que empunhavam o alho porro, a cidreira ou simplesmente uma pluma impregnada dum perfume reles, para “chatear”, ou o famoso e tradicional martelo de plástico. De cores e formatos diferentes, alguns gigantescos, eram usados para bater nas cabeças das pessoas que se cruzavam connosco. Emite um som musical característico e multiplica-se indefinidamente, confundindo-se com a música do arraial, numa chinfrineira, que neste dia se suporta sem desagrado.
Era jovem e divertia-me, à brava, a dar marteladinhas nas carecas reluzentes dos cavalheiros de roda baixa, pois não precisava de fazer grandes alongamentos de braços, para lhes estar à altura e desferir o golpe! Claro que ninguém levava a mal, neste contexto de animação popular e sob os auspícios do S. João tudo era permitido, sem inibição ou contestação de qualquer ordem. Eu rejubilava, quando a careca levava em cheio com o tinir do martelo e a gentileza do cavalheiro oferecia a cabeça para um “bis” tão gostoso. “É S. João...pura diversão!” Soava aos nossos ouvidos! “Quem entra na festa animada...não pode contestar nada!”
Os vasos de manjericos com versos populares são uma presença constante nesta grande festa.
Ao cheirar o manjerico,
Não te debruces para mim!
‘inda vai dar namorico
Ou casamento, no fim!
Também o tradicional fogo de artifício à meia-noite, junto ao Rio Douro e à ponte Dom Luís I faz as delícias dos milhares de residentes e forasteiros que chegam de todo o mundo, para assistir. Chega a durar mais de 15 minutos, estando ao nível dos melhores no mundo e decorre no meio do rio, em barcos especialmente preparados, acompanhado por música num espectáculo multimédia muito belo e digno de se ver.
A festa dura até de madrugada, quando a maior parte das pessoas regressa a casa, ou fica arrolada nos bancos de jardim, pela cidade. Os mais resistentes, normalmente os mais jovens, percorrem toda a marginal desde a Ribeira até à Foz do Douro, onde terminam a noite na praia, aguardando pelo nascer do sol. É tão romântico assistir ao nascer do sol, sobre o rio! Tenho experiência similar...sobre o Mondego. A idade... tudo consente!
No dia de S. João, 24 de Junho é feriado no Porto e saboreia-se a chanfana, ao almoço. Acho que devem ter copiado pelo povo das Gafanhas, que são especialistas nesta especialidade gastronómica!
Gostei muito da Invicta, aquando da minha passagem por lá, mas... aprecio, agora a pacatez e a proximidade da ria, que tenho quase ao sair da porta... como na verdadeira Veneza!
Mª Donzília Almeida
23.06.2013