VAI E NÃO TORNES A PECAR
Georgino Rocha
Georgino Rocha |
Esta sentença contrasta radicalmente com o preceituado na Lei de Moisés e constitui uma excelente e estimulante orientação de vida. É declarada por Jesus após o julgamento sumário da mulher apanhada em adultério e trazida por zelosos escribas e fariseus. Condensa exemplarmente a atitude de Jesus e reproduz o núcleo do seu ensinamento face a quem se desvia nos comportamentos dignos da condição humana, reflexo da bondade original de Deus.
Os rigorosos fariseus “deliciam-se” com o sucedido. E não era para menos. Não havia escapatória para Jesus. Por justiça legal, ela devia ser morta por apedrejamento. Por condescendência e misericórdia podia ser salva, mas transgredindo abertamente o preceituado tradicional. “E tu que dizes?” – indagam eles, alimentando o sonho discreto de o “porem à prova” com esta armadilha e terem razões para o acusar ou contradizer.
Não fora a intenção manhosa, a pergunta indicaria um excelente critério de avaliação ética e religiosa das situações de vida e dos acontecimentos familiares e sociais. Querer saber o que Jesus pensa e tê-lo em consideração à hora de tomar decisões constitui um precioso recurso para quem quer encontrar a verdade e agir livremente. E como seria mais acertada a gestão de tudo o que contribui para o bem comum em todas as suas facetas e modalidades!
A resposta de Jesus deixa os acusadores desorientados. Por isso insistem, tal a ânsia de saber claramente o que ele pensava. Jesus vai usar uma pedagogia surpreendente: antes da palavra, faz o gesto simbólico que expressa a sua disposição interior. Inclina-se, pondo-se ao nível da mulher, e traça uns riscos no chão, passíveis de interpretações contrastantes, de que sobressaem a confusão dos acusadores e emaranhado da mulher à espera da execução.
“Quem, de entre vós, estiver sem pecado atire a primeira pedra” – adianta Jesus, reencaminhando a alegação dos acusadores. Agora, os visados eram eles, “fiéis” cumpridores das leis. Perante este espelho, podem entrar em si mesmos e ver como está a sua consciência. E tomam a atitude coerente: sentem-se pecadores, deitam fora as pedras e vão-se retirando um após outro. Em cena, ficam apenas Jesus e a mulher. A armadilha pretendida esvazia-se totalmente e dá azo à mais libertadora das acções humanas: o reconhecimento da comum fragilidade e a aspiração ao perdão que restitui a dignidade e o reconhecimento.
“Vai e não tornes a pecar”. Ergue-te e caminha na vida, olha o presente com amor, aprecia o valor da tua humanidade, deixa o egoísmo que amesquinha, abre os teus braços à solidariedade que eleva e irmana. Jesus ensina a respeitar a pessoa e a detestar o mal que faz, seja de que espécie for. Só o amor perdoa e restitui a liberdade.