Sinto-me órfã
Maria Donzília Almeida
Após 58 anos de convívio com os progenitores e 63 só com o pai, sinto-me órfã!
Foi um privilégio privar com o Zé da Rosa, durante um período de tempo dilatado, muito fecundo, com períodos de afastamento mais ou menos longos.
A presença dele, não física, mas espiritual, estava sempre ali, bem marcada e influente.
Quando a vida me fez assentar arraiais na terra natal e o nosso convívio se estreitou, fui uma pessoa de sorte, que partilhou de agradáveis momentos de muita ternura, muita afetividade, muita pacificação.
Sem nunca se intrometer nos assuntos privados da família, ia opinando, aconselhando, conciliando.
Quis o destino que a fase final da sua vida fosse curta, sem passar por uma longa decadência, como acontece a tantas criaturas de Deus.
Foi acompanhado de perto, pela família que lhe proporcionou o carinho e conforto, imprescindíveis à dignidade humana e a uma pessoa que tanto deu ao seu próximo!
Partiu, sem um queixume, sem uma palavra de desalento, com a mesma serenidade com que viveu e conviveu com todos.
Sinto-me verdadeiramente órfã, pois já me habituara à sua presença tranquila, que enchia a casa, agora vazia e triste. Partiu do naco de terra que granjeou com o seu suor e que tantas vezes sulcou para lhe extrair o pão com que haveria de alimentar a sua prole. Sentia-se em sua casa e, às vezes, quase se considerava o chefe de família! Era assim que o viam os seus descendentes, em particular os netos, que lhe reconheciam o papel de patriarca da família, nas lições de sabedoria, na sua longa e pejada experiência de vida.
- O avozinho faz falta, cá em casa! - exclamou o neto.
- Já fazia parte da nossa família!
Para perpetuar a memória do pai, decidiu a família guardar/expor, religiosamente, no local onde passou os derradeiros momentos da vida, o seu espólio pessoal, aquele que ele mais prezava e que lhe narra a história de vida.
- Parece um museu! Exclamou a visita, quando observava, conduzida pela anfitriã, aquele espaço confinado à veneração do ZÉ da Rosa.
É esse local que visito e reverencio, todos os dias e me detenho na contemplação da imagem que ilumina toda a casa. Privilegio a memória dos vivos e ele, ali, está presente nos seus objetos pessoais, que são o prolongamento da sua pessoa viva!
Não preciso de me deslocar aos cemitérios para evocar os entes queridos, aqueles que estão bem vivos no meu coração.
Não partilho da evolução que ocorreu, nos últimos tempos, no culto dos mortos, aqui em terras da Gafanha! Quase atingiram proporções faraónicas, o fausto e a exuberância colocados nas práticas fúnebres, patentes nestas redondezas. A proliferação de capelas mortuárias, de mausoléus opulentos, o dispêndio oneroso em flores, quase rivalizam com as pirâmides do antigo Egito!!!
Para manter, bem viva, a imagem do Zé da Rosa, trago-a bem gravada na memória do coração donde, jamais, se dissipará!
Uma enorme saudade e um igual sentido de gratidão hão-de manter bem nítida a sua presença...ad aeternum!
19.03.2013