O Cristianismo e o Islão em diálogo?
Anselmo Borges |
A sua finalidade é estabelecer pontes para o diálogo entre as religiões e as culturas. Olhando para o futuro, elaborou já um programa de actividades, como: colaboração multi-religiosa para a sobrevivência e bem-estar das crianças - o primeiro projecto terá lugar no Uganda, em aliança estratégica com "Religiões pela Paz" -, um ciclo de conferências sobre "a imagem do outro", um projecto internacional para futuros professores de religião e líderes religiosos com um profundo compromisso com o diálogo inter-religioso e intercultural.
Estou a referir-me ao Centro Internacional para o Diálogo Inter-Religioso e Intercultural King Abdullah bin Aziz (KAICIID), com sede em Viena, cujo Comité Directivo se reuniu pela primeira vez nos dias 1 e 2 de Fevereiro, em Madrid, como aqui anunciei no sábado passado. Os seus fundadores são a Arábia Saudita, a Espanha e a Áustria. Tem o nome do monarca saudita, que teve a iniciativa.
Como não saudar e colaborar com o que é hoje o maior centro mundial de diálogo? O próprio Papa Bento XVI o fez e a Santa Sé (Vaticano) assumiu o papel de observador fundador.
Mas, evidentemente, há perguntas que têm de ser feitas e problemas que não podem ser ignorados.
Assim, pergunta-se legitimamente se vai ser possível e quando um encontro do Comité Directivo do KAICIID, com representantes das grandes religiões mundiais, em Riade ou na capital de outro país islâmico. De facto, o diálogo não pode ser unidireccional. Por isso, também se pergunta, por exemplo, quando é que a liberdade de construção de mesquitas no mundo de influência cristã será acompanhada da mesma liberdade de construção de igrejas nos países de influência islâmica. De qualquer forma, o cristianismo é hoje a religião mais perseguida do mundo, a ponto de se falar em autêntica cristianofobia, e essa perseguição dá-se também em países de orientação islâmica, sem que sejam suficientemente claros e fortes os protestos dos seus responsáveis políticos e religiosos.
Evidentemente, seria abusivo generalizar, mas é necessário reconhecer que a raiz dos problemas é, porém, mais funda e tem a ver com três ordens de questões: a interpretação dos textos sagrados, a separação da religião e da política e a atitude de Jesus e de Maomé face à violência.
A atitude dos cristãos ao longo dos séculos e também da Igreja Católica enquanto instituição não foi de modo nenhum exemplar. Pelo contrário, foi frequentemente vergonhosa no que se refere a estes três domínios. Mas, quando pensam nas origens, na atitude de Jesus e no que ele verdadeiramente quis, os cristãos têm de arrepender-se e arrepiar caminho.
Nunca os teólogos cristãos afirmaram que a Bíbila foi ditada por Deus: é Palavra de Deus em palavras humanas. Por isso, mais tarde ou mais cedo, teriam de abrir-se a uma leitura histórico-crítica e à hermenêutica. Mas, no islão, afirma-se, de modo geral, que o Alcorão foi ditado por Deus e, por isso, tantas vezes os teólogos islâmicos que exigem uma hermenêutica histórico-crítica, não podendo fazê-lo livremente nos seus países, tiveram de refugiar-se em universidades europeias e norte-americanas.
Jesus disse que se deve "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Tem aqui um dos seus fundamentos a separação da Igreja e do Estado, em ordem à salvaguarda da liberdade religiosa. Mas, no islão, continua, com raras excepções, a confusão dos dois planos, tanto mais quanto Maomé foi simultaneamente um líder religioso, político e militar.
Maomé entrou vitorioso em Meca, após anos de combates, e expandiu o islão, certamente mediante a força da palavra e do exemplo, mas também com a luta pelas armas. Jesus, porém, entrou pacificamente na cidade de Jerusalém, para apresentar e oferecer o seu projecto de Reino enquanto Reino de graça e de amor entre os seres humanos. Quando Pedro puxou pela espada, mandou que a metesse na bainha, pois quem com ferros mata com ferros morre, e ele próprio foi crucificado por quem não aceitou a sua mensagem.
A aprendizagem que tanto custou à Igreja Católica terá de ser também o caminho doloroso, mas urgente, do islão.
Anselmo Borges
No DN