Um apelo que frequentemente fica sem resposta
António Marcelino
António Marcelino |
«Faltam educadores que sintam e tomem consciência de que, pela sua ação diária, passa o futuro de muita gente e a construção ou não de uma sociedade humanizada e fraterna. Há muitos educadores que sabem o caminho, lutam por segui-lo e se doem por verem que o muito que fazem é destruído por outros colegas, e, também, pela família, pela rua, pela comunicação social, que não olha a meios para conseguir quem compre os seus produtos viciados.»
Sempre que nos chegam documentos importantes que se orientam para fomentar na vida das pessoas, valores humanos e morais, vem o apelo, explícito ou implícito, a que a mensagem passe a outros e se eduquem as novas gerações, com base nesses valores. Foi, assim, mais uma vez, com a mensagem de Bento XVI para o Dia Mundial da Paz, que ele mesmo titulou “Bem-aventurados os construtores da paz”.
Já a terminar, vem o apelo do Papa em ordem a uma educação a fazer nas famílias e nas instituições, para uma cultura da paz, acrescentando a proposta de uma pedagogia a seguir pelo construtor da paz. É este apelo final, a meu ver, aqui e noutros casos, que muitas vezes fica sem eco e resposta adequada. Deste modo, os melhores contributos educativos morrem nos próprios documentos ou servem apenas para quem os leu e depois arquivou, sem mastigar e sem ver como passar a palavra a quem a espera. Tudo, como se fosse uma carta pessoal e intransmissível.
O proverbial individualismo e a indiferença pelo bem que se pode fazer e não se faz têm aqui uma forma clara de mostrar a sua face.
A sociedade, cada vez mais carecida de uma educação que proporcione valores sólidos aos seus alicerces, está, por falta dela, mais empobrecida e sem alma.
Faltam educadores que sintam e tomem consciência de que, pela sua ação diária, passa o futuro de muita gente e a construção ou não de uma sociedade humanizada e fraterna. Há muitos educadores que sabem o caminho, lutam por segui-lo e se doem por verem que o muito que fazem é destruído por outros colegas, e, também, pela família, pela rua, pela comunicação social, que não olha a meios para conseguir quem compre os seus produtos viciados.
Muitas coisas básicas na educação não são hoje, para muita gente, consideradas como valores a adquirir. Estão neste rol atitudes comezinhas e normais, como o respeito pelo outro, o amor ao trabalho, a pontualidade, a verdade na vida, o gesto de gratidão, a capacidade de escutar, o pedido de desculpa, a saudação normal quando se chega ou sai… Estes gestos ajudam a tomar consciência de que ninguém vive só e não pode viver como se fosse senhor do mundo, anulando tudo e todos. A vida também é dependência mútua. Ao longo dela vamos vendo que todos precisamos uns dos outros.
A educação é sempre um processo de mediação. É fruto de uma relação pessoal que ajuda a crescer, a descobrir, a ponderar, a escolher, a decidir. Não é uma imposição de fora, senão em ordem aos que ainda não têm discernimento para a apreciar aquilo que se lhes ensina ou se lhes ajuda a fazer. Porém, mesmo assim, não é um ato mecânico, mas pessoal que, através de pequenos gestos e atitudes, ajuda a criar hábitos sadios para viver em sociedade, como higiene, respeito, gratidão, relacionamento pessoal.
O apelo da educação para a paz, traduz-se, já desde criança, em aprendizagens de convivência normal, no seio da família, na escola, na vizinhança. Esta educação inicial e em terreno normal, ajuda, mais tarde, a perceber que há valores em causa a respeitar e a praticar, e há objetivos que se impõem e dos quais se deve ter consciência como a relação sadia com conhecidos e desconhecidos, a procura do bem ao alcance de todos, a prática da justiça social, o combate a todas formas de descriminação e de guerra. Neste objetivo tem papal primordial importância a família. “Na família nascem e crescem, como sublinha o Papa, os construtores da paz, os futuros promotores de uma cultura da vida e do amor.”
Para a Igreja, a educação para a paz está inserida na educação da fé. Uma fé orientada para Jesus Cristo, Príncipe da paz. O encontro com Cristo, sua Pessoa e mensagem, “plasma os construtores da paz, comprometendo-os na comunhão e na superação da injustiça”. Por aqui passa, ao mesmo tempo, “o renascimento pessoal e moral das pessoas e das sociedades”. Sempre que na história, a Igreja se gastou em guerras, mais pensou e se orientou pelo seu prestígio social, por demais efémero, que pela fidelidade a Jesus Cristo, Servo e Obreiro de paz entre todos e a favor de todos.
A mensagem do Papa, pela sua atualidade e pelo mundo de injustiças e desavenças em que vivemos, merece, de imediato, que dela, nasçam, nas paróquias, instituições e movimentos apostólicos, programas educativos concretos para educar para a paz, a implementar nas diversas atividades. Se assim não for, será mais um apelo urgente que fica sem resposta.