domingo, 2 de dezembro de 2012

Pessoas que nos marcam...

Maria Donzília Almeida 


Para Samuel Ribau, 
no dia do seu  aniversário 
 3 de dezembro 

“Há palavras que nos beijam 
como se tivessem boca...” 


Ocorrem-me à mente, as palavras de Alexandre O’ Neill, no contexto das recordações...de gente que me marcou, indelevelmente, pela positiva. Parafraseando o poeta, eu diria que há pessoas que nos tocam, como se fossem veludo! 
No meu percurso profissional, houve alunos que se insinuaram na minha prática docente e para sempre deixaram o seu rasto. 
Numa época, de tão pouco apego, à escola, da parte da malta miúda, numa era de indisciplina institucionalizada, em que é necessário criar dispositivos de controle e mediação dos casos emergentes, retempera a alma recordar! 
Neste contexto da escola atual, recordo um petiz, filho desta gente de boa cepa da Gafanha e que se distinguiu da massa amorfa que muitas vezes preenche as salas de aula. Era um rapazinho vivaço, no bom sentido e que de muito cedo emergiu do grupo em que se movimentava. 
Fez um percurso escolar, certinho, como se diz em gíria docente e direi eu, que fui sua teacher, um percurso brilhante. Revelava muita facilidade nas aprendizagens, possuía um raciocínio arguto e acima de tudo, não era um betinho! Tinha as suas brincadeiras, como qualquer criança, alinhava nos jogos e atividades do recreio e partilhava, na sala de aula, o seu saber. A sua facilidade na aquisição de conhecimentos, permitia-lhe ajudar, os colegas, menos dotados intelectualmente. Era um querido, pensavam e diziam todos! Hoje, passados 15 anos, a frequentar o curso de Engenharia Civil na UA, é o mesmo Samuel Ribau de sempre! Com uma formação moral e humana, pouco comuns, nos dias de hoje, concilia uma panóplia de atividades. 


Para além de ter dinamizado o Grupo de Jovens da Gafanha da Encarnação, onde desempenhou um papel preponderante, faz, no presente, o seu percurso académico, que lhe assegurará o futuro profissional. Concomitantemente, faz parte de um núcleo, na Associação Académica da Universidade de Aveiro e colabora, entre outras coisas, no serviço de relações externas, da mesma. Na sua vertente humanista e de pessoa empenhada e interventiva, socialmente, integra a Assembleia de Freguesia, onde dá a sua preciosa colaboração, ao seu Presidente, o ilustre Dr. Eduardo Pinto. Por estranha coincidência, também este foi meu aluno, no alvor da minha carreira pedagógica. Tinha eu 23 frescas primaveras! Agora, no outono da vida... recordar é viver novamente! As malhas que a vida tece! 
Mas, aquilo que o Samuel enfatiza, com convicção, é a sua vertente de amigo e filho! “Tarefas muito importantes! Veritas vincit” — “Justifica ele. Neste particular, calculo, como mãe, que deve ser um “doce”, passe o neologismo! 
Sobre o meu digníssimo aluno, Samuel, devo confessar, sem vergonha, que hoje, se reverteram os papéis! Não sei se alguma vez, lhe ensinei alguma coisa, pois segundo Jean Foucambert, “O ensino é uma ajuda à aprendizagem. Existem aprendizagens sem ensino, mas a Escola seria preciosa... ” ou se ele aprendeu quase tudo, sem ajuda nenhuma! Era extraordinário este aluno! Tão especial, que até a sua faceta humana é como a de todos os comuns mortais, com o equilíbrio psicológico que sempre convém! 
Hoje é ele que ensina/ajuda a teacher, na relação, às vezes atribulada, com o PC. Nomeado, embora sem pelouro, pois o faz por dedicação, o meu Assessor de Informática, mostra sempre uma disponibilidade surpreendente, que eu gostaria de ver em muitos paizinhos, que precisariam de a ter, para com os seus rebentos. 
Quando a minha relação com o PC, fica “embrulhada”, lá vai um SMS ao Engenheiro Samuel, para que me venha salvar dos apuros em que me meti! E, lá vem ele, sempre solícito, com um sorriso nos lábios! Mas... não é completamente inocente, esse sorriso! Guarda na memória aquele “fatídico” dia 15 de Outubro de 1997, em que a teacher o “expulsou” da sala de aula, por mau comportamento (!?) 
Em conversa amena, revivem a cena, intercalada de risos, em que a teacher apontava para a figura do Mickey Mouse, no quadro e pedia à turma para repetir. Dado que era um cartoon muito conhecido do imaginário infantil, esperava que a pronúncia saísse correta e conforme a sonoridade britânica. Numa primeira resposta, depois de ter feito uma leitura modelo, ouve a pronúncia, não do Mickey Mouse, mas de Mickey Mousse, numa clara, intencional e (quiçá provocadora (!?) alusão, ao doce feito de cacau e que vulgarmente se designa por mousse de chocolate! Uma vez, outra vez... a teacher tolerou, na sua abrangência pedagógica, que se reveste de uma paciência... com alguns limites! 
Como as criancinhas pareciam mais viradas para a brincadeira, no seu pendor irreverente, (ou estaria a apetecer-lhes uma mousse de chocolate?) foi-lhes comunicado que se repetissem a partida, mais uma vez, iriam para a rua! Meu dito, meu feito! Um professor que se preza, tem que ser coerente nas atitudes que toma, senão, onde está a pedagogia? 
Desta vez, a irreverência do menino Samuel, veio ao de cima e engrossou o coro dos que pronunciavam… Mickey Mousse (de chocolate)! A professora teve de cumprir a sua palavra… com tanto custo... mas o Samuel, o Adelino, etc... foram para a rua! Ai, se fosse hoje! O que um professor, hoje em dia, tolera aos seus alunos! Mesmo assim, alguns ainda se escapam para o GIA! (Gabinete de Intervenção ao Aluno) 
É acompanhada de gargalhada geral, a evocação da cena; a aflição do pobre menino que levou o “recado” para a mãe assinar, (Fez o papel dela! — refere, com bonomia.) e a teacher que se há-de penitenciar ad aeternum, por ter “castigado”, no passado, um Samuel Ribau, de hoje! 
— Ah! Mas a teacher deu-me logo nível 5... nesse primeiro período! Atalhou o Samuel, a título de consolação. 
Para concluir, reitero o que foi dito atrás: há pessoas que nos marcam e que, desde muito cedo, deixam adivinhar que vão ser grandes homens! 
O futuro se encarregará de o comprovar. 

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