As crises podem levar-nos
à descoberta da solidariedade
«Com as crises a vários níveis e nos mais diversos setores, a criança acaba por ser o elo mais fraco» na conjuntura atual, garantiu Paulo Costa, vereador da Câmara Municipal de Ílhavo (CMI) e presidente da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens), no II Encontro promovido por aquela organização de âmbito concelhio, que se realizou na sexta-feira, 12 de outubro, no Centro Cultural da Gafanha da Nazaré, para debater os “Novos Desafios e Oportunidades para as Famílias em Mudança”.
Paulo Costa adiantou que foram abordados temas pertinentes sobre o «impacto dos novos modelos de família na vida da criança». Trata-se de uma ação, esclareceu, que «nos prepara para atuarmos com mais consistência e saber nas nossas comissões». E sublinhou: «Abordámos os novos conceitos de família, o divórcio, a emigração e imigração, tudo o que está a mexer com aquilo que é a estrutura tradicional da nossas famílias.»
O vereador na CMI considerou uma mais-valia o Atendimento Social Integrado, «que tem feito um trabalho notável, em termos de equipa», garantindo que hoje estão «muito melhor preparados para lidar com diversas questões, não só da infância, mas de toda a sociedade», graças também ao contributo das IPSS da área do município, com quem a autarquia estabeleceu parcerias de cooperação.
O encontro destinou-se a técnicos com intervenção na área social e na comunidade em geral, tendo sido abordados assuntos tão importantes como “A nova organização familiar e suas consequências”, “Responsabilidades parentais. Parentalidade positiva e formação parental” e “Alienação parental – Utopia ou realidade?”.
Em mesa redonda, moderada pelo presidente da CPCJ de Ílhavo, Madalena Alarcão, da Universidade de Coimbra, lembrou que as crianças e jovens são muito sensíveis à coerência, enquanto referiu que «não há hoje um discurso claro sobre o que pode ou não fazer-se na educação dos filhos», mas também afirmou «a necessidade de haver um percurso equilibrado do educador». Ainda alertou para o facto de todos sermos sujeitos a grandes pressões nos tempos que correm.
Anabela Quintanilha, advogada e coordenadora da Alternativa Mediar, afiançou que o termo família monoparental a faz «arrepiar», porque, no caso de divórcio, os filhos continuam a ter pai e mãe, sendo reconhecido que, «ao contrário do que muitos pensam, as crianças adaptam-se bem às regras da casa do pai e da casa da mãe, como se adaptam às regras da escola». Contudo, frisou que «os pais podem e devem entender-se na aplicação de algumas regras».
Lina Coelho, economista e investigadora, sublinhou, a propósito da crise económica e social que afeta o nosso país, a dificuldade que todos sentem em «passar dos patamares do bem-estar para os patamares mais baixos», mas ainda afirmou que «as crises existem para descobrirmos novas soluções», através da reflexão e das tensões inevitáveis, tornando-se fundamental «envolver as crianças», porque elas «não podem ficar fechadas num limbo». E ao abordar as consequências do desemprego, frisou que, afinal, «o emprego é estruturante da nossa identidade».
Cristina Ribau, em representação da Associação de Famílias Numerosas, disse que as famílias com vários filhos «podem dar um contributo valioso à sociedade, sobretudo na renovação das gerações», numa época em que a natalidade desce assustadoramente, desde há 30 anos até ao presente.
Cristina Ribau denunciou a falta, em Portugal, de Políticas de Família, que beneficiem agregados familiares com mais filhos, através de descontos em várias vertentes (água, energia elétrica e transportes, entre outros). E sugeriu a urgência de o Estado aplicar os impostos tendo em conta o agregado familiar, garantindo que «é possível conciliar a vida profissional e familiar».
Filipe Tavares
Para o professor Filipe Tavares do Agrupamento de Escolas de Ílhavo, esta ação foi um bom contributo para a reflexão que se impõe sobre o «ser família nos dias de hoje». Disse que não faltaram alertas dirigidos aos educadores sobre os riscos que filhos, crianças e jovens podem correr. E acrescentou: «Pretendemos um mundo melhor, com base na construção de famílias capazes; mas também verificámos que há uma grande diversidade de tipologias familiares, bem diferentes do que estávamos habituados.»
Para Filipe Tavares, alguns riscos que podem afetar as crianças e jovens encontram a «incapacidade de algumas famílias» na gestão do que é ser família nos tempos presentes, tendo adiantado que essas dificuldades estão muitas vezes ligadas à situação de crise económica, mas também à crise afetiva que tem sido perdida com a tecnologia, a qual, «em vez de nos aproximar, nos afasta», frisou.
O professor do Agrupamento de Escolas de Ílhavo denunciou que muitos pais não conseguem assumir as suas responsabilidades parentais para mais facilmente responderem aos desafios «do que é ser criança». E salientou: «É importante perceber que estas crises podem levar-nos à descoberta da solidariedade, que não é apenas técnica, sociológica ou política, mas é sobretudo uma questão de humanidade.»
Fernando Martins