Gabriel Ribau Nunes
Um viúvo que aceita a vida tal como ela é
Gabriel Ribau Nunes, 81 anos, natural da Gafanha da Nazaré e aqui residente, no lugar da Marinha Velha, viúvo há quatro anos, partilha neste número do Timoneiro um pouco da sua longa e muito preenchida vida.
O Gabriel celebrou o seu casamento aos 23 anos com Maria Cecília Gandarinho, sensivelmente da mesma idade, sua quase vizinha e amiga desde tenra idade. Tiveram cinco filhas, duas das quais faleceram, uma com quatro aninhos e outra, a Maria da Luz, com 49 anos. As outras filhas, casadas, residem perto de si. É por isso muito fácil estar com qualquer delas a qualquer momento.
Recorda, com natural dor, o sofrimento que a morte da esposa lhe causou. Um vírus estranho foi o causador. A mágoa enche-lhe o coração, porém, nunca se queixou às filhas nem aos netos. «Mas elas perceberam», confidenciou-nos.
Aos poucos foi compreendendo que tinha de reagir, que tinha de se adaptar à nova situação. E foi o que aconteceu, «com dificuldade», mas aceitando a vida tal como ela é. Desde a primeira hora, nunca lhe faltou o carinho e o apoio concreto das filhas e dos netos, que permanentemente o convidam para jantar em suas casas.
Durante a conversa, explicou que nunca lhe passou pela cabeça «arranjar outra mulher», e fez questão de sublinhar que «jamais quis perturbar a vida das filhas», porque sabe que elas têm naturalmente os seus empregos, as suas tarefas domésticas e até, porventura, os seus problemas. Todavia, delas sempre recebe o convite para as visitar e para estar com elas em suas casas, o que faz frequentemente.
O Gabriel Ribau considera-se uma pessoa saudável, garantindo-nos que apenas toma medicação preventiva para evitar o colesterol e os triglicerídeos. E referiu com graça: «A médica de família até me disse que as minhas análises estavam melhores do que as dela.»
O dia a dia do nosso entrevistado é suficientemente ocupado. De manhã, levanta-se cedo, toma o pequeno-almoço e sai de casa. Passa pela residência de uma filha e vai até à lota [Porto de Pesca Costeira]. Tem um fascínio muito grande por barcos e ria. É homem da borda-d’água, mas não gosta da vida do mar. Ali sente-se bem. Gosta de conversar com os pescadores e mestres, alguns dos quais já de boa idade, e até nos confessou que na lota está a pisar terra que foi da sua família. «O Porto de Pesca Costeira ocupa 11 mil metros quadrados de terreno dos meus pais», disse.
Porque as filhas não podiam fazer-lhe o almoço todos os dias, pelas suas ocupações profissionais, optou por uma solução mais prática. Recorreu à Fundação Prior Sardo que analisou a sua situação e passou a receber o almoço todos os dias do ano, fornecido pelo Centro Social Nossa Senhora da Nazaré. Ande ele por onde andar, sabe que, quando chega a casa, tem o almoço preparadinho para comer. Gosta da alimentação que lhe é fornecida, embora tivesse de se habituar a ela. É uma alimentação saudável, «própria para as pessoas da minha idade; são comidas normais, mas sem carnes gordas de porco», referiu. À noite, quando não vai à casa das filhas, faz «qualquer coisa». A limpeza da residência é assegurada por uma cunhada, a quem paga o que é devido.
Depois, vê um pouco de televisão. O sono, quando é hora disso, leva-o para a cama. Como companhias de casa, tem um gato, brincalhão que se farta (há dias até caiu por causa dele), uma cadela e uma galinha. Só o gato tem o privilégio de estar junto do nosso entrevistado.
O repórter sentiu que este amigo viúvo não vive isolado nem angustiado, que o Gabriel se habituou a conviver com a dor que a morte da esposa lhe provocou, mas também sentiu que boas recordações dos seus tempos de juventude e de homem casado, de pai e de avô e de membro da Ação Católica (JOC e LOC) a que ainda pertence e de que foi dirigente, marcam presença no seu espírito. E é com prazer que fala delas.
Recordou para o Timoneiro que frequentou a escola primária, num edifício perto do Café Palmeira, tendo como professora Bárbara Oliveira, filha do famoso professor Oliveira. A seguir à quarta classe entrou na Escola Comercial e Industrial de Aveiro, onde fez o terceiro ano. Nesta altura, sonhou incorporar-se como voluntário no serviço militar, hipótese tornada impossível por seu pai, que o pôs a trabalhar na agricultura.
O Gabriel evocou o seu ingresso como aprendiz nas oficinas de Dinis Teixeira, importantes na época, falou do seu embarque como ajudante de motorista na traineira Orquídea, de uma empresa de que seu pai era sócio, e da sua opção por trabalhar nos Estaleiros de S. Jacinto. Aqui se iniciou na arte de traçar na chapa e cortar os modelos das peças do barco que saíam da sala de desenho, tendo como mestre Armando Carvalho.
O seu apelido Ribau, muito frequente nas Gafanhas, tem sido motivo das suas cogitações, na busca das raízes, mas isso ficará para outra conversa.
Fernando Martins