sábado, 18 de agosto de 2012

A Lei da Vida

Ana Rita Ribau teve a gentileza de me facultar um texto, já premiado, inspirado no seu avô Ângelo Ribau, falecido há dias, como anunciei neste meu blogue, no qual ele colaborou. A Ana Rita como que pressentiu, tempos antes do desenlace do seu avô e meu amigo, e disso deu conta nesta história carregada de amor e de ternura, que o seu fim estaria próximo, como realmente aconteceu. Felicito a Ana Rita, na certeza de que ela continuará a escrever, dando assim seguimento aos gostos e sensibilidade do seu querido avô.

Fernando Martins

Ana Rita com seu avô Ângelo


A LEI DA VIDA 

Ângelo era um velho que há muito tempo combatera em África na Guerra Colonial. Todas as suas vivências, experiências e aventuras ficaram gravadas na sua memória, por isso era um homem cheio de sabedoria, sempre pronto a partilhá-la com quem tivesse paciência para o escutar. 
Ângelo tinha o aspeto típico de um avô: usava grandes óculos, era careca, tinha uma grande barriga, um nariz batatudo, caminhava com um ar pesado e tinha uma voz grossa, envelhecida pelo tempo. Os seus dias eram passados na sala de sua casa, sentado numa poltrona, lendo os seus livros de imensas páginas, sempre com um aquecedor antigo junto aos pés. Uma das muitas qualidades do velho Ângelo era a sua extraordinária sensibilidade para a escrita. 
Não se sabe se era por entretenimento ou se por querer deixar marcados os seus pensamentos e memórias, o certo era que Ângelo escrevia um livro: relatos de um ex-combatente da Guerra. Um grande conjunto de páginas cheias de histórias contadas na primeira pessoa, aquela que no presente vivia para contar aquilo que sentira no passado: os medos, as angústias, as alegrias, tudo o que a sua cansada memória o deixava lembrar. A sua neta Ana Rita incentivara-o a escrevê-lo. A ela o dedicava, porque a sua relação com aquela menina, a sua primeira neta, sempre fora muito natural, com afeição e carinho. 
Ao longo dos anos, ela foi crescendo, as responsabilidades também iam aumentando e o tempo que eles passavam juntos ia diminuindo. Ela adorava a escola e dedicava-se em absoluto aos estudos. Ele mentalizava-se que a idade ia avançando e que o corpo já não estava jovem.
Ela lembrava-se de uma promessa que fizera quando era pequenina: nunca ia deixar os seus velhinhos. Agora sentia remorsos por não os valorizar tanto como queria e como eles mereciam. 
Antigamente a neta ia toda a tarde para a casa dos avós, fazia os deveres todos, via um bocadinho de televisão e lanchava com a avó enquanto o avô regressava do trabalho. Outras vezes, fazia companhia nas cantorias da avó ao mesmo tempo que a via a cavar as batatas. Depois iam passear os três, conversavam de tudo, riam e admiravam a paisagem à sua volta. Como eram mágicos esses momentos, nos quais a troca de sentimentos entre aqueles seres humanos de diferentes mentalidades e perspetivas era tão natural! 
Com o passar dos anos, as suas visitas tornaram-se rápidas e imparciais. Ela nunca deixou de gostar deles, o problema era não ter tempo para estar com eles. 
O avô perguntava com um grande sorriso: 
- Olá, que estás tu por aqui a fazer? 
Esta questão nunca era respondida com “Queria vir ter contigo, porque gosto muito de ti”, mas sim porque precisava de lhe perguntar algo para fazer um trabalho para a escola. 
Os olhos do avô entristeciam, pois a neta nem se dignava estar um bocadinho com ele, nunca se sentava ao seu lado para falar, trocar impressões sobre qualquer assunto… E tudo porquê? Porque não tinha tempo… 
Já ele tinha todo o tempo do mundo, apesar de saber que se ia esgotando. Era a Lei da Vida: alguém jovem tinha de estudar, lutar por aquilo que quer, vencer obstáculos, aprender com os erros, aperfeiçoar-se e ultrapassar-se a cada dia; alguém velho já não tinha grandes objetivos e expetativas, tudo o que viveu ficava apenas guardado nos confins da memória. Os dias tornavam-se repetitivos e sem sentido, a solidão era a principal companhia. Num abrir e fechar de olhos a vida podia ser levada e no mundo ficaria um lugar vago. Tudo se resume a nascer, viver e morrer. 
E foi isso que aconteceu a Ângelo. O corpo deixou o seu estado vital e a alma… essa incrivelmente não tinha destino. Para a neta, a morte do avô já era de esperar, a sua saúde refletia o seu estado de velhice, mas mesmo assim foi um grande choque ouvir no seu próprio pensamento “O meu avô morreu”. 
Agora percebia claramente que era ela que geria o tempo e que o devia ter aproveitado para conhecer melhor o seu próprio avô. Deveria tê-lo ajudado a sentir-se, de alguma maneira, vivo. Ela acreditava que a sua alma a acompanhava, sempre ao seu lado, por isso quando estava sozinha falava com ele, como nunca o tinha feito. 
Quanto ao livro de Ângelo, Ana Rita teve pena de não o ter lido quando ele estava vivo. Leu-o mais tarde, com mais vontade e sentimento, com o pensamento no grande homem que o seu avô tinha sido. 
A partir do dia da morte do seu avô, Ana Rita tornou-se uma pessoa melhor, mais consciente do que era realmente importante, mais madura e sobretudo mais interessada no mundo. 
Ana Rita agradece ao avô por, de uma forma tão discreta, a ter ensinado a viver.

Ana Rita Ribau

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