PITADAS DE SAL – 19
DO REBOCHO AO MONTE FARINHA
Caríssima/o:
Para nós, os da Beira-Ria, há nomes que se
nos pegaram na memória desde tenra idade, faziam parte da nossa vida: Cambeia,
Portas de Água, Regueirão, Esteiro, Paredão Arrunhado, Traveses, ... Rebocho,
Monte Farinha...
Para chegarmos às Marinhas forçoso era rumar
ao Rebocho ou ao Monte Farinha e isso mesmo nos diz meu irmão Artur neste
pequeno escrito em que nos revela o quão importantes eram essas investidas:
«Quantas
e quantas vezes, aos domingos, íamos nós os três, eu, o pai e o tio António, no
bote, em direcção ao Rebocho. A viagem era feita quando a maré vazava; o meu
tio puxava a corda à sirga; eu ia sentado à frente; e o meu pai ia atrás com o
remo que fazia de leme.
Como no
esteiro Oudinot havia muitas árvores de fruto, o tio António, de vez em quando,
lá atirava uma pera para dentro do bote e assim quando chegávamos ao fim da
viagem já tínhamos fruta para comer ao meio-dia.
Chegados
ao Rebocho, íamos para as marinhas e lá começava o meu tio à foice, enterrado
na lama até à cinta. De quando em quando, lá vinha uma enguia; verdade seja que
ele tinha o dom para aquele tipo de pesca. Ele e o meu pai lá continuavam com a
foice e as enguias voavam até à praia, onde eu tinha que as apanhar.
Também
tinha de cortar erva para os coelhos.
O bote
vinha carregado com os sacos da erva, que eram bastantes, e uma grande
caldeirada de enguias.
A casa só
chegávamos a meio da tarde...»
Não era
só a caldeirada para a minguada mesa da família; à espera duma refeição mais
farta, os coelhos e outra criação saltavam contra as redes de vedação quando os
pescadores se estiravam no banco de madeira para lavar os pés da lama
incrustada. Talvez valha a pena esclarecer que, nesses recuados tempos, a erva
para os animais era escassa para quem não tinha terras: rapidamente se esgotava
a que nascia nos caminhos ou nas bermas das estradas.
Conforme
a maré, o destino podia variar para o Monte Farinha que então cavalos e não só
por ali andavam em liberdade. Com pequenas variantes, o programa era idêntico e
os proventos equivaliam-se. Talvez a imagem desta ilha perdure mais pelos
animais: era sempre motivo de brincadeira o relinchar dos cavalos, os seus pinotes
e cabriolas.
Anos mais tarde, outras viagens e
com uma única motivação: o passeio e o recreio...
Mas essas
ficarão para outra pitada...
Manuel